Não há como contornar o assunto do momento. E desengane-se quem pensa que vou falar da América de Trump, das eleições na Madeira, da guerra na Ucrânia ou da tempestade Martinho. O que realmente ocupa os pensamentos dos portugueses, a origem do palpitar descontrolado dos corações, é o inexcedível chocolate do Dubai.

Na verdade, não sabemos se é inexcedível, nem ao menos se é bom, mas consta que sim. Esgotou em todo o lado. É caríssimo. Tão desejado, só pode ser uma delícia. Acredito, no entanto, que a ansiedade que assola a nação pouco tenha a ver com questões do palato. O que realmente deixa as pessoas à beira de um ataque de nervos é não poderem dizer que já provaram, não terem como exibir nas redes sociais as invejadas tabletes. Mordiscadas. O interior do retângulo castanho revelado. Recheio verde a escorrer, espesso como um resto de creme de legumes com aletria que ficou no prato de um dia para o outro. Irresistível, sem dúvida!

É fácil compreender que alguém perdido no deserto tenha alucinações com água, que alguém com fome sonhe com banquetes. Já a febre do chocolate do Dubai é um fenómeno bastante mais difícil de explicar — pelo menos, isoladamente. O que desencadeou este delírio coletivo? O mesmo que desencadeou o, até hoje, incompreensível e anedótico açambarcamento de papel higiénico. O mesmo que leva milhares de pessoas a aguardarem em fila à porta de uma cadeia de supermercados espanhola para comprarem… nem sabem bem o quê. Mas é extraordinário.

Impressiona a facilidade com que se manipula a turba com uma simples frase: “Esgotou em 20 minutos”. É tudo quanto basta para levar à histeria, para que o que quer que seja se transforme num objeto mais desejado do que o elixir da eterna juventude. Ninguém quer ficar de fora. Ninguém quer ser o último e, mais importante, ninguém está disposto a assumir que caiu num golpe publicitário.

A ida a um dos supermercados nas bocas do mundo por ter tido à venda a dita guloseima permitiu-me constatar que a loucura é maior do que tinha imaginado. As pessoas aglomeram-se no corredor dos chocolates. Famílias inteiras viram e reviram as prateleiras, na esperança de encontrarem algum exemplar que tenha ficado caído a um canto. Crianças esgaravatam nas prateleiras de baixo. Adultos, em bicos de pés, quase desatarraxam os braços para tentar chegar, com as pontas dos dedos, onde os olhos não alcançam. Nunca se sabe… Nada de deixar que outros passem à frente e, para que não haja dúvidas, encostam-se os carrinhos às prateleiras e lançam-se olhares ameaçadores a quem se aproxima.

Lembram-me hienas em torno de uma carcaça. Não é uma imagem bonita, mas os olhares de fome e desconfiança são os mesmos.

Chego em segurança à caixa e, enquanto aguardo, um jovem com ar apressado aproxima-se. Deita-se sobre o tapete, espalhando tudo o que se lhe atravessa no caminho, gesticula para chamar a atenção da funcionária e pergunta:

— Já não têm o chocolate de pestanácio?

— Não, desapareceu logo. Eu nem provei! — lamenta ela.

O rapaz desaparece. A conversa na fila foca-se de imediato no chocolate que todos estão desolados por não ter encontrado. A senhora da caixa, apesar de não ter provado, garante que é uma maravilha:

— Olhe que, quando chegaram, até porrada houve… Vamos lá ver se vem mais...

Pago a conta e saio, a pensar no que será pior: a irracionalidade, a violência ou o pestanácio. Ou se a irracionalidade, a violência e o pestanácio têm exatamente a mesma origem.

No café em frente, encontro consolo num fiel e despretensioso pastelinho de nata — tão fora de moda por estes dias, nunca me deixa ficar mal.

Sílvia Quinteiro é professora

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