Foi publicado, pelo Instituto Nacional de Estatística, o documento «REGIÃO ALGARVE EM NÚMEROS 2023» que analisa profundamente a região do Algarve em 4 vertentes fundamentais: o Território, as Pessoas, a Atividade Económica e o Estado. Tratando-se de um documento essencial para percebermos o resultado das decisões no âmbito das políticas públicas e empresariais, não se conhece qualquer reação por parte dos responsáveis. E o que o documento nos diz é que a economia do Algarve é um dos exemplos mais claros das fragilidades estruturais que marcam algumas regiões portuguesas. Apesar de ser uma das áreas mais prósperas em termos turísticos, a sua dependência excessiva deste setor compromete a sustentabilidade e a resiliência do crescimento económico. Os resultados económicos e sociais mais recentes mostram que o Algarve continua a apresentar uma estrutura produtiva desequilibrada, baixa diversificação e uma fraca integração na economia global.
O Algarve registou um PIB de 13,1 mil milhões de euros, representando 4,9% da economia nacional. No entanto, o PIB per capita regional (27 mil euros) continua abaixo da média nacional (45 mil euros), evidenciando uma produtividade reduzida e um modelo económico pouco sofisticado.
A principal explicação para este desfasamento reside na monocultura do turismo. O setor representa uma parcela significativa da economia regional, absorvendo grande parte do emprego e da atividade empresarial. 72% dos hóspedes na região são estrangeiros, e a sazonalidade do setor afeta fortemente os indicadores económicos e sociais, criando flutuações no emprego e nos rendimentos das famílias.
O turismo é, sem dúvida, um ativo estratégico do Algarve. No entanto, a questão central é: até quando a região conseguirá sustentar-se quase exclusivamente com base nesta atividade? A dependência excessiva do turismo torna o Algarve vulnerável a crises económicas, pandemias, mudanças no comportamento dos turistas e até a desafios ambientais, como a escassez de água e o aumento das temperaturas, que podem comprometer a atratividade da região.
O Algarve tem uma taxa de emprego elevada (75,5% na faixa etária de 16-64 anos), mas esconde um problema crónico: a qualidade do trabalho gerado. O mercado laboral da região é marcado por Sazonalidade elevada, com forte concentração de empregos precários no turismo e serviços associados, Baixa qualificação da mão de obra, o que reduz o potencial de crescimento da produtividade e dos salários e Rendimentos médios inferiores à média nacional, resultado da especialização em setores de baixo valor acrescentado.
A taxa de desemprego jovem (20,8%) é alarmante e demonstra a dificuldade de retenção de talento qualificado na região. Muitos dos jovens que estudam em universidades fora do Algarve acabam por não regressar, devido à falta de oportunidades em setores inovadores. A solução passa por diversificar a base económica da região. É fundamental criar incentivos para atrair novas indústrias, investir em formação especializada e impulsionar o empreendedorismo em áreas de maior valor acrescentado.
O Algarve contribui com apenas 0,4% das exportações nacionais, uma percentagem irrisória para uma região com potencial agrícola, pesqueiro e de serviços. A taxa de cobertura das importações pelas exportações é de apenas 53%, revelando um elevado défice comercial.
Este cenário é reflexo da baixa diversificação do tecido empresarial e da falta de competitividade da região no mercado global. Sem uma estratégia clara de internacionalização das empresas e de captação de investimento estrangeiro, o Algarve continuará a ser uma economia fechada e dependente do consumo interno e do turismo externo.
A análise ao nível municipal revela uma forte concentração económica em três municípios principais, Loulé (20% do VAB) – Centro comercial e de serviços da região, com uma base económica mais diversificada, Faro (11,2%) – Capital administrativa e hub de transportes e Albufeira (10,3%) – Principal destino turístico, altamente dependente da sazonalidade. Outros municípios, como Olhão (3,4%), têm um papel mais modesto na economia regional, refletindo a concentração de riqueza e investimento nos polos urbanos mais fortes. Esse desequilíbrio dificulta o desenvolvimento harmonioso do Algarve e limita as oportunidades económicas para áreas menos dinâmicas.
O Algarve não pode continuar a ser uma economia monocultural, fechada sobre si mesma e refém da sua sazonalidade. Para garantir um futuro mais resiliente e sustentável, é necessário adotar um novo modelo de desenvolvimento, baseado em três pilares estratégicos: Diversificação Económica (Desenvolvimento de polos tecnológicos e científicos ligados à economia azul, Aposta na agricultura sustentável e na valorização da produção agroalimentar e Incentivos à instalação de empresas de serviços avançados e indústrias criativas); Qualificação e Inovação (Reforço do ensino profissional e superior em áreas estratégicas, Atração de talento qualificado e retenção de jovens licenciados na região e Criação de hubs de inovação ligados ao turismo, tecnologia e sustentabilidade); e Internacionalização e Investimento (Reforço das exportações de produtos e serviços regionais, Atração de investimento estrangeiro para setores inovadores e Desenvolvimento de infraestruturas que tornem a região mais competitiva a nível global).
O Algarve tem um potencial imenso, mas continua prisioneiro de um modelo económico que apresenta dificuldades em melhorar as condições de vida da população, sendo imperativo um choque de modernização e inovação para se tornar verdadeiramente competitiva e sustentável. Essa excessiva dependência, indica que existe a necessidade urgente de reforçar o peso dos restantes setores no desenvolvimento económico e social da região.
Temos que saber onde estamos, para percebermos o caminho a percorrer para chegarmos ao destino. O silêncio e a falta de análise crítica aos resultados apresentados por este relatório a todos nos devem preocupar. Pensem nisto.
Carlos Manso é economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas
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