Enquanto acompanhamos as cerimónias fúnebres do Papa que nos deixou marcadas as palavras para o envolvimento de “todos, todos, todos”, no sentido da participação na resolução dos problemas, satisfação dos anseios e dirimir dos conflitos neste “Cuidar da casa comum” (Laudato Si), em jeito de homenagem do Algarve, permitam-me lembrar o momento de alegria e compromisso que há 10 anos,  fazia inaugurar, em Quarteira, uma nova via principal com o seu nome, em que participaram o nosso Bispo da Diocese, Dom Manuel Neto Quintas e o, então, Embaixador Argentino Jorge Arguello, a Avenida Papa Francisco.

Já nessa altura o ensejo justificativo da atribuição toponímica era, antecipo de memória, a Ecologia. Os princípios locais que norteavam e norteiam esta(s) autarquia(s) envolvidas, para o respeito pelo ambiente, pelo modo de vida mais saudável, pela diminuição de impactos negativos nas comunidades de proximidade e pelo seu envolvimento pelos valores que já então o Papa Francisco exaltava pelo mundo e concluía em encíclicas e cartas sobre a visão da Igreja sobre o bem comum, a fé e a amizade social, as periferias, expressando muitas das suas preocupações na defesa do planeta ou a luta por uma economia justa.

Hoje, tendo presentes essas mensagens, ainda assim, o poder no mundo deriva para a sobre-exploração dos recursos e dos abusos sobre os mais pobres e indefesos pelos mais ricos e poderosos que dispõem de territórios, arrasam identidades culturais, anunciam desejos de horror como se salvíficos das agressões em curso com outras ainda piores, afinal por desrespeitarem um mínimo da dignidade humana e dos povos, seja em Gaza, seja na Ucrânia e outros locais que disputam e repartem como se fossem eles «Deus».

O Papa Francisco tentando ainda, pelos crentes e não crentes, salvar a Política da morte entre os Homens, a decência do objeto do Poder com a sua pedagogia do humanismo fica na nossa memória. A sua morte física que nos entra, nestes dias, pelas casas dentro e nas conversas entre amigos e conhecidos, convidam-nos a escolher que mensagem queremos apregoar nos nossos atos, por cada um de nós, independentemente da posição religiosa.

Estamos a sobre explorar todos os recursos e a explorar todos os nossos iguais pelo mundo. Os tempos políticos estão servindo apenas para, num curto espaço de tempo, alguns darem resposta a tudo e a todos, apenas para renovar o poder, mesmo fazendo errado. Sendo que os que têm mais acham que podem usar mais direitos sobre os recursos e atenções, marginalizando as periferias e os que têm menos voz, que se bastam com menos.

Mas, também, todos nós só exigimos tudo ao mesmo tempo.

Não vai acabar bem para nenhuma das partes, é insustentável. Somos mais de 8 mil milhões de seres no presente que procuramos futuros. Difícil encontrar respostas sustentáveis para tamanhas exigências, para mais em permanente desrespeito e tensões crescentes nas relações de poder pelo mais fortes descaradamente perante os mais fracos. A seu tempo muito se transformará em formas de terrorismo, retaliação e vingança, na revolução.

Já 20 anos antes deste Papa que nos deixa, o Papa João Paulo II nos tinha antecipado, numa dimensão global, o cuidado pelos mais vulneráveis, mais velhos e doentes, só pela sua presença e resiliência em viagens pelo mundo além da profundidade teológica com Bento XVI.

Hoje, tornaram-se temas que nos condicionam todos e se afirmam como de resposta crescente e preocupante sobre a qualidade de vida, porque vivemos mais e com novas necessidades e muito exigentes sobre o equilíbrio social e ambiental. Temas que afinal vieram a eclodir nas mensagens e preocupações de Francisco no presente.

Em poucas semanas conheceremos o novo Papa e que papel assume nas revoluções, nas crises, nos caminhos da esperança, na regulação de poderes, do papel da Igreja no mundo. Verdade que também na Igreja se afirmam interesses, coligações para viabilizar o fumo, que se deseja branco, com pelo menos 92 dos votos expressos, independentemente da nossa religião, num mundo de comunicação, um líder de muitos milhões, tem uma influência enorme.

Tememos que o sentido de renovação e reforma como o vimos nestes anos seja obstruído pelo tradicionalismo dos representantes que hostilizaram direta ou indiretamente este papado e, agora, mormente com a intromissão dos poderes que vamos conhecendo e nos surpreendem negativamente.

Sim o meu espírito está inquieto pelo rumo das coisas que cada vez dominamos menos, mas nos afetam. Felizmente, em atos dos poderes que nos são próximos, pelo menos a mensagem e a preocupação Ecológica que se inscrevem nas cerimónias fazem-nos ter esperança, como a aberta por esta Avenida em Quarteira.

Que continue, na bondade que foi anunciada em mais outras ações que valorizem o património e ideário comum nas coisas belas que se vão fazer suceder em novos caminhos que se vão abrir com as nossas escolhas, envolvimento e compromisso de todos, todos, todos. Que o exemplo perdure nas nossas decisões enquanto cidadãos responsáveis.

Todos, todos, todos, por um contrato social, como difundido por Francisco, de uma economia centrada na dignidade e na equidade.

Paulo Neves é um «ilhéu», mas nenhum homem é uma ilha

Foto: João Neves dos Santos