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«Bebe a verdade
E a liberdade.
E com tal agrado
Que já começam
A escassear no mercado».
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Abril, mês da libertação, dos 3 Ds da Democracia, do Desenvolvimento, da Descolonização e, no entanto, tudo volta atrás.

É assim que estamos e o mundo todo. A manipulação pelo mais forte, pelo exercício do poder, pelo dinheiro, pela comunicação. Mentindo, antecipando medos para se continuar controlando.

Quando pensamos que não pode já piorar descobrimos que, para alguns, ainda é possível o «Quanto pior melhor»

De outro lado, o alheamento, o egoísmo do salve-se quem puder, «do videirinho» no mais alto poleiro.

Desconfiamos já de quem tem princípios, toleramos quem nos manipula pela instalação no poder.

Medo do futuro que é já amanhã, desinteresse, desistência. É o que sinto na comunidade.

Sim, entre os vizinhos, na rua, nas conversas próximas e também nos cidadãos do mundo que nos entram casa dentro, a toda a hora e com todos os seus males, que quase nos tolhem os sentimentos, nos matam a humanidade, esquecendo a fraternidade e solidariedade.

Já nem sei o que pensar mais dos líderes que não merecemos. Que votamos manter ou reeleger. Absurdo, mas é nisto que tornámos a palavra legitimidade – a benefício do infrator.

E, no entanto, a insatisfação talvez nos mova ainda para a mudança como quem a fez acontecer em abril e no-la ofereceu, sem mais, apenas pela mudança para o que está certo.

Temos que voltar a ter coragem. Tomar Portugal. Defender a Europa e a civilização. Ser cidadão inteiro entre iguais. Voltar a Ser… pessoas.

Com Fernando Pessoa, no título, nesta sua expressão do desespero ou da insatisfação com a vida, ou ainda da dúvida sobre o sentido que tudo isto tem. Sem, no entanto, desistir de deixar o pensamento para a ação, mesmo que para isso tenhamos que, no outro, encontrar a coragem. Juntos.

Salvemos o abril da renovação, dos 3 Ds ainda e outra vez. E o maio dos trabalhadores… e o Natal da esperança, e a todos.

Salvemo-nos da insensibilidade em que nos tornamos. Vamos a tempo.

Regresso a Pessoa, na Mensagem (1 dezembro 1934, comemorando a Restauração):


«Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu».

Paulo Neves é um «ilhéu», mas nenhum homem é uma ilha

Crónica publicada em:

Foto: João Neves dos Santos

*ANTOLOGIA in Sobre o Fascismo, a Ditadura Militar e Salazar, de Fernando Pessoa, 1935