Desperto devagar. Só o chilrear dos pássaros dança no escuro do quarto. Abro a janela de par em par. Adivinho a manhã de sol. Cerro as pálpebras, inclino a cabeça para trás, expondo o pescoço e o colo. Absorvo, por instantes, o brilho morno da primavera. A chuva copiosa de um inverno raro é ainda visível no verde fresco das plantas, no vasto tapete amarelo e branco de azedas e margaridas. A um canto, o loendro oferece ao jasmim a altura que lhe falta para ver para lá da cerca; o jasmim retribui, perfumando-lhe a existência.

Tomo o pequeno-almoço no terraço. Nem uma brisa. Um dia perfeito para refazer alguns canteiros. Saio para comprar flores, árvores, sementes, vasos, terra, pedras e pedrinhas. Estou decidida a aproveitar a calma dos dias que antecedem o desassossego das férias. Aproxima-se a Páscoa. Dentro de uma semana, metade do país virá por aí abaixo passar alguns dias num sítio com praias, que fica ali a caminho de Marrocos. A comunicação social invadirá os areais a perguntar aos banhistas de onde vêm, se a água está boa, quanto tempo vão ficar… E todos aqueles que passam o resto do ano a apregoar que no Algarve nem mortos responderão de sorriso aberto e cabelo molhado que vêm todos os anos, que não dispensam estes dias, que estava uma fila enorme na autoestrada, mas valeu a pena…

A partir de lobbies de hotéis, de agências de viagens e instituições oficiais, outros entrevistados darão conta das taxas de ocupação e dos destinos concorrentes.

Percebemos que as possibilidades ao dispor dos portugueses são muitas e, não raras vezes, até mais baratas do que o Algarve. E diria mesmo que, por esta altura, o realmente difícil não é eleger um local agradável, mas sim decidir que tipo de turismo queremos fazer, já que, um dia destes, vamos ter mais segmentos, nichos, micronichos e nanonichos do que destinos. Senão, vejamos: turismo cultural; de natureza; de sol e praia; gastronómico; de aventura; de saúde e bem-estar; religioso; espacial; desportivo; rural; urbano; enoturismo; ecoturismo; LGBT+; espiritual; de luxo; náutico; de eventos e festivais; industrial; literário; astronómico; de trekking em vulcões; ferroviário; comunitário; de favela; azul (adivinhando-se já as variantes marinho, turquesa, cobalto, Capri e celeste); sombrio ou dark, porque, tal como o grounding, em estrangeiro até parece coisa nova…

Desta pequena amostra, passo a outro exemplo da diversidade e criatividade da indústria turística no século XXI: os tipos de alojamento. Para quem viaja, há agora que escolher entre resort, hotel, boutique hotel, hotel cápsula, hotel literário, hotel de gelo, pousada, pensão, hostel, apartamento, alojamento local, casa flutuante, parque de campismo, cabana na floresta, casa na árvore, glamping, couchsurfing ou a casa de um infeliz familiar que tem o azar de viver junto à praia. Não há algarvio que não tenha essa experiência. Autênticos hoteleiros sem diploma: gerir a ocupação dos quartos, salas, escritórios, garagens ou arrecadações; fazer camas; limpar quartos e casas de banho; fazer as compras; cozinhar; pôr a mesa; servir as refeições; levantar a mesa; entreter — e tudo sem perder o sorriso. O que é difícil, pois, como é sabido, o algarvio é antipático e não agradece as visitas.

A cada dia que passa, multiplicam-se as ofertas, reinventam-se os destinos, diversificam-se os produtos. E se, em alguns casos, há uma lógica, uma justificação para além da mera ganância ou da exploração da boa-fé dos visitantes, noutros as opções são de tal modo tontas que só nos resta pasmar.

No regresso das compras, estava eu a apanhar umas ervas daninhas quando uma viatura estacionou encostada ao muro da casa. Não uma viatura qualquer — um jipe safari. O condutor dirigia-se em francês ao casal de turistas sentado no banco de trás. Olhavam, apontavam, riam, fotografavam. De onde me encontrava, não conseguia perceber o motivo de tamanho entusiasmo. Espreitei, então, e vi, por detrás de um hibisco, nem mais nem menos do que a minha cadela. Aqueles entes vieram da França para o Algarve fazer um safari nas Gambelas e observar uma cadela. Concluí que o guia lhes estava a vender gato por lebre — ou melhor, cadela por zebra. A bicha é preta e branca. Só pode ser isso. Constatando o entusiasmo despertado pelo exótico animal, corri até às traseiras à procura do gato — já agora, viam também um tigre. Mas, em vão. A fera andava, certamente, à caça na savana.

Não querendo dececionar quem nos visita, apontei para a osga colada por cima da porta da entrada e disse bem alto: — Um jacaré!

Apanhado de surpresa, o guia disse qualquer coisa aos clientes que me olhavam com espanto. Não sei se se assustaram com a presença do temível réptil ou com a perigosa indígena falante. O que é certo é que retomaram de imediato o caminho. Nem tive tempo para lhes dizer que, ao fundo da rua, o vizinho tem um búfalo — zurra, é verdade, mas dá umas marradinhas. Quase nem se nota a diferença. Foi uma pena.

Seja como for, fico com a certeza de que o tonturismo é uma tendência com um enorme potencial de crescimento, principalmente se lhe derem um nome em inglês.

Sílvia Quinteiro é professora

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