Nos últimos tempos, tornou-se recorrente justificar a relevância do turismo para a economia portuguesa. Esta insistência reflete um paradoxo profundamente enraizado na nossa mentalidade coletiva: a desconfiança face ao sucesso, que tem raízes históricas e continua a persistir. Esta postura resulta de décadas a promover uma humildade extrema e uma resignação, características fomentadas pelo regime salazarista.

A Herança do Salazarismo

Salazar cultivou uma imagem do povo português como humilde, trabalhador e honrado, valorizando a submissão e a aceitação das dificuldades como virtudes nacionais. Esta narrativa, sustentada por slogans como «Deus, Pátria e Família», reforçava a ideia de que a grandeza não era um objetivo, mas sim um desvio perigoso do que significava ser verdadeiramente português. Qualquer tentativa de se destacar ou ultrapassar o normal era vista como arrogância ou soberba.

Ainda hoje, mesmo após a queda do regime, os ecos desta mentalidade persistem na sociedade portuguesa. Assistimos a um paradoxo social: quem se esforça para alcançar o sucesso é frequentemente visto como presunçoso ou elitista, enquanto quem não se destaca ou falha nos seus objetivos é encarado com compaixão e dignidade. Esta herança inconsciente continua a moldar uma cultura onde o sucesso individual levanta suspeitas e o mérito é encarado com desconfiança.

Na prática, esta atitude traduz-se numa valorização daqueles que permanecem na mediania ou enfrentam dificuldades, enquanto o mérito — fruto do esforço, talento e determinação — é frequentemente visto como uma ameaça à igualdade, alvo de preconceito e retaliação.

Por fatores culturais, o país parece permanecer preso a uma visão de pequenez, humildade e pobreza — mas honrada — como se a grandeza e a integridade fossem antagónicas.

Esta postura social cria um ambiente onde os que falham parecem ser os únicos dignos de compreensão, enquanto os que se destacam são encarados como uma ameaça ao equilíbrio coletivo, como se o seu êxito expusesse as fragilidades dos outros. Viver numa sociedade onde ser competente e alcançar o sucesso é quase um pecado leva muitos a ocultarem as suas capacidades para evitar julgamentos e represálias.

É legítimo perguntar: queremos perpetuar esta mentalidade? Continuaremos a aceitar uma cultura que eleva a modéstia ao ponto de rejeitar a excelência?

Romper com esta visão ultrapassada é essencial para superar o «Portugal dos pequeninos». Reconhecer o mérito e promover a excelência não significa desvalorizar quem enfrenta dificuldades, mas sim criar um equilíbrio justo, onde o sucesso é celebrado e as falhas são entendidas como oportunidades de aprendizagem.

Construir uma sociedade mais justa e meritocrática implica transformar esta mentalidade coletiva, reconhecendo com orgulho o contributo do turismo para Portugal. O crescimento deste setor não é uma ameaça, mas sim uma alavanca para o desenvolvimento económico e social do país.

Valorizar o Turismo como Pilar Económico

O turismo não necessita de justificações constantes, mas sim de reconhecimento. É o setor que mais contribui de forma contínua e transversal para a economia nacional.

O turismo tem crescido a dois dígitos e destaca-se como um dos setores mais relevantes para a economia nacional. É o único que contribui diretamente para 49 setores de atividade económica em simultâneo, envolvendo áreas tão diversas como hotelaria, restauração, comércio, transportes, cultura, construção civil e saúde. Esta capacidade de impulsionar múltiplos setores torna-o um pilar incontornável da economia portuguesa.

Contudo, em vez de se reconhecer este contributo, continua a justificar-se repetidamente a sua importância, como se o seu crescimento fosse uma ameaça ao equilíbrio social. Esta postura revela uma mentalidade que encara o sucesso como uma afronta coletiva, reflexo claro de uma herança que glorifica a humildade ao ponto de ver o progresso com desconfiança.

Algarve: Um Potencial que Não Pode Ser Ignorado

O Algarve, com o seu enorme potencial turístico, cultural e económico, não pode continuar a ser visto apenas como um refúgio modesto e acolhedor. Tem de ser encarado como uma região capaz de inovar, liderar e competir a nível nacional e internacional. Para isso, é necessário incentivar quem quer fazer mais, quem quer ser melhor, e deixar de penalizar o sucesso como se fosse uma afronta à coletividade.

Valorizar o turismo significa reconhecer o mérito de um setor que gera riqueza, emprego e desenvolvimento. Não há motivo para continuar a justificar o impacto positivo desta atividade — é necessário potenciar as suas vantagens e encarar o crescimento como uma oportunidade, não como um problema. Aproveitar as sinergias que o turismo gera nos 49 setores económicos é essencial para fortalecer o tecido social e económico da região.

O sucesso do turismo deve ser encarado como uma alavanca para o desenvolvimento, e não como um fator de desequilíbrio.

Assumir o sucesso e reconhecer o progresso que o turismo representa para o país é fundamental para romper com o estigma que associa crescimento económico a uma ameaça social.

O TURISMO NÃO É UM PROBLEMA — É UMA OPORTUNIDADE QUE DEVE SER POTENCIADA, COM ORGULHO E CONFIANÇA.

Antónia Correia é professora e presidente do KIPT Colab

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