Há dias, Elisa cruzou-se num corredor com três colegas. Uma delas, Sónia, vinha acompanhada pela filha adolescente e, entre olhares cúmplices e um suspiro resignado, comentava o mau feitio da jovem. A causa, claro está, atribuía-a ao zodíaco. A quem mais? Pois se a rapariga era de Touro…

Em redor, as colegas apressaram-se a corroborar:

— Uiii, de Touro! — exclamavam umas.
— Touro, Touro. Teimosos. Quando marram para um lado… — sentenciou outra.

Em defesa da visada, Elisa ousou discordar:

— Olhem que os Touros que conheço são todos boas pessoas.

— Homens, com certeza. Porque as mulheres… nem te digo, nem te conto — atalhou Sónia, lançando um olhar à filha, em busca de validação.

Elisa deteve-se na jovem que, visivelmente envergonhada, procurava refúgio por detrás dos óculos de sol e fitava o chão.

— Estás a ver? — insistiu a mãe. — É isto: até ao meio-dia, nem se lhe pode dirigir a palavra…

Helena, que entretanto se aproximara, aproveitou a ocasião para entrar na conversa. Cheia de si, afirmou com desdém que uma mulher de Touro não era nada para quem foi criada por três — mãe e duas avós. Resultou. O grupo ficou impressionadíssimo. Todas tinham algum defeito a apontar às mulheres nascidas entre 21 de abril e 20 de maio. Cada um pior que o outro. Pobre Elisa! Digna da mais profunda admiração. Era uma sobrevivente! Uma guerreira! Uma força da natureza! Sim, porque os clichés eram quase tantos como os defeitos.

Raros são os temas que, uma vez lançados, se propagam com tamanha facilidade. Mas basta que alguém pronuncie a palavra signo e todos têm algo a acrescentar. Comparam a personalidade deste com a daquele, as manias e vícios de uns com os dos outros. Justificam questões de personalidade com a desventura de se ter nascido sob a influência de uma determinada constelação. Até porque, como é sabido, todas as falhas de caráter são imputáveis às estrelas. Já os aspetos positivos são atribuíveis à genética e a uma educação esmerada.

Os signos estavam quase todos dissecados quando Rui — que acumulava o cargo de vice-diretor com o de bajulador do chefe — se aproximou, tocou no ombro de Elisa e perguntou qual era o tema da conversa. Em tom jocoso, elevou a sua voz sobre todas as outras e perguntou se, pela personalidade, as «videntes» conseguiam adivinhar de que signo era ele.

Elisa, que mal distinguia reiki de sushi, os signos ocidentais dos chineses, a imagem de Buda da do boneco Michelin e que confundia ioga com uma marca de iogurte, colocou um ar sério e enigmático de sibila:

— Para ti, tenho de consultar a minha bola de cristal — disse, retirando o telemóvel do bolso do casaco.

Enquanto Elisa adentrava os labirintos do invisível em busca do saber celeste, Rui fingia impaciência e ia troçando dos poderes sobrenaturais da colega. Dizia que havia bruxas mais rápidas. Perguntou-lhe se estava a ler a Maria.

Até que Elisa exclamou:

— Já está! Demorei porque és um caso único, e bruxa que é bruxa faz a coisa bem feita. Ora bem, meu caro Rui: tu és Tartaruga-de-Cristal com ascendente em Líquen-Cinzento. Sabias?

Apanhado de surpresa, Rui franziu a testa, exibindo a expressão característica de quem nada entende.

— Pois — prosseguiu Elisa —, a minha bola diz que os Tartaruga-de-Cristal se deslocam com lentidão; que, ao mínimo sinal de perigo, se recolhem na carapaça; que observam à distância, intervindo apenas nas raras ocasiões em que podem manter a conveniente neutralidade. Vivem para agradar a todos, sem se comprometerem com ninguém. Já o ascendente em Líquen-Cinzento explica o facto de viverem colados a quem lhes convém. Não se lhes conhece qualquer contributo para o bem da humanidade e, ainda assim, estão em toda a parte. As estrelas não mentem, pois não?

O riso deu lugar ao silêncio. O confrangimento instalou-se como uma nuvem negra e pesada. Rui afastou-se, afirmando apenas:

— Sou de Peixes.

Virando-se para o grupo, Elisa rematou:

— Se fosse esperto, tinha perguntado primeiro pelo meu. Sou Escorpião. Parece que não há nada a fazer.

Soltou-se a gargalhada, há muito reprimida. Afinal, a culpa sempre era das estrelas.

Sílvia Quinteiro é professora

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