Eu sou mansa, mas minha função de viver é feroz.
Clarice Lispector
Há uns anos estava a falar com um amigo jornalista, que vive no Rio de Janeiro. Ele é daqueles amigos que nem o tempo nem a distância nos separou totalmente. A primeira lembrança que temos em comum é a de estarmos numa praia, o povo todo ao sol, e de repente ele se dá conta de que eu também lia, e gostava, de Tennessee Williams.
Sabe uma coisa que me deixou besta quando aprendi a cozinhar? (dizia ele)
O primeiro prato que minha mãe me ensinou foi moqueca. Quando minha mãe me ensinou moqueca, eu fiquei intrigado e besta com o facto de que a base do prato, o que lhe dava gosto, o seu segredo, era cebola, alho e tomate.
Besta fiquei porque esta é a base de um monte de outros pratos que eu fui aprendendo a fazer - sempre tinham cebola, alho e tomate.
Eu tentei fugir desta combinação, inventando receitas que levassem echalotas, substituindo o tomate por curcuma, botando hortelã e tirando o alho. Mas, na verdade, os pratos bons sempre tinham cebola, alho e tomate. Pensei nisso, hoje de manhã, porque eu perdi muito tempo tentando mudar a simplicidade boa e eficaz, que garante uma vida feliz, por receitas mais complicadas, que levassem curcuma, cravo, canela, manjericão.
Tudo bem, isso é bom.
Mas o fundamental mesmo é cebola, alho e tomate.
Falávamos nem sei de quê. Nossos diálogos são como um mote contínuo, sem paragens ao meio, sem explicações. Raramente um bom dia ou boa tarde. Acho que, nesse dia, falávamos de escolhas. E de procuras inúteis. Como os programas culinários estão na moda, fica aí a receita: a base de um bom prato é cebola, alho e tomate. Simples. Mas nem sempre fácil.
Mirian Tavares é professora
Crónica publicada em:
Foto: Isa Mestre