Com certeza, todos nós já conhecemos pessoas que nos surpreenderam por terem conseguido ultrapassar grandes dificuldades num determinado tempo, normalmente, relativamente longo.

Cada um cada de nós, aliás, já se deve ter deparado com um verdadeiro obstáculo que considerou intransponível ou irresolúvel.

Assistimos, felizes, sempre que algum ente querido ou amigo, supera um grande desafio.

Seja no campo da aprendizagem, em particular na educação de adultos, na integração de pessoas com dificuldades cognitivas, seja nas áreas de recuperação física, pela reabilitação, seja ainda na estabilização de situações de grande depressão, ultrapassar-se as dificuldades, é um momento de júbilo, de quase (re)criação pessoal e de alegria para a comunidade.

Uma inspiração coletiva. Passar a ser possível algo que era praticamente inalcançável motiva-nos a voltar a acreditar que, a vontade individual, o apoio dos mais próximos, a ajuda especializada, o treino e a persistência de realização é capaz de fazer «milagres».

Ao longo da vida, de muitas experiências e realidades por onde já passei de forma intensa, sempre me fui deparando com pessoas que em cada momento e perante grandes adversidades diversas, me surpreenderam de forma tão positiva na capacidade de resistência para alcançar os seus objetivos e mesmo para a sua superação que, também, me fazem sentir realizado, aprendendo com o seu exemplo.

Costumamos dizer que «ninguém consegue nada sozinho», mas a vontade, a persistência, a disciplina individual ajuda muito. Claro que a família, os amigos, a ajuda clínica profissional, quando necessária, colmatam necessidades que fazem acontecer o impossível.

Recentemente acompanhei, na área da saúde, muitos exemplos de superação. De doentes em situação dificílima, de profissionais que se realizam a ajudar aqueles. Tantas áreas em que o Algarve é exemplo. Situações profundas que passam a ser «apenas» más memórias.

Na reabilitação de pessoas que já não se acreditava que conseguissem voltar a andar, a comer sozinhas, a articular palavras para comunicar, a ter autonomia e a realizar-se na cidadania. Tantos «milagres», mas tantos e em tão diferentes situações que mereceriam um filme cada um.

No Centro de Medicina Física e Reabilitação do Sul: no Departamento de Saúde Mental; nos Serviços de Oncologia, de Paliativos, de AVC, nas áreas de traumatologia, pediatria…

Tantos «filmes de vida» que nos deixam em soluços e em êxtase pela superação e nos fazem acreditar, outra vez, que somos especiais, cada um na sua interdependência com o(s) outro(s), querendo. Tantos exemplos, missão no serviço, superação individual.

Na coincidência com a publicação deste texto, hoje mesmo (dia da reflexão eleitoral), pelas 17 horas, sugiro-vos assistir, na Biblioteca Municipal em Loulé, à apresentação de um livro, que por si mesmo é uma obra de superação do autor pela «enormidade» e exigência da tarefa a que se dedicou, durante anos e em que compatibilizou a mesma com a sua atividade profissional, para mais, em recuperação pela reabilitação de um incidente gravíssimo.

Por momentos esqueçam o tema do livro, mas pensem em alguém que, por si só, deseja e consegue criar, quase 12 mil versos (quadras), em 530 págs., com base em outra obra histórica tão exigente como a Bíblia. Isso por si já é «grandioso» enquanto realização pessoal. Agora juntem-lhe os aspetos que mencionei no paragrafo anterior… Uau! E ainda tem outros títulos publicados inscritos no Plano Nacional de Leitura. É Superação.

Sim e tenho experienciado o suficiente na convivência com outras pessoas que conseguem outros feitos igualmente fantásticos na história das suas vidas pessoais que valorizam a comunidade e a nossa realização comum.

Lembrem-se de figuras eminentes nas áreas científicas, no desporto, da investigação social, na educação, na cultura etc., nos mais variados domínios profissionais.

O Algarve e os algarvios constituem, pela nossa história, exemplos também de superação do medo individual e coletivamente. Desde logo na expansão marítima ou nos desafios da mudança para ultrapassar de séculos de pobreza e esquecimento pelo desenvolvimento individual e da região.

Portugal, nos tempos modernos, quando se junta para ultrapassar momentos incríveis que de outra forma poderiam degenerar para horrores e em guerras entre nós, como na revolução de abril, nas primeiras eleições, no equilíbrio constitucional, a descolonização ou, mais próximo, a libertação de Timor. Ainda mais recente e que tendemos a fazer um apagão de memória por nos tocar a cada um, aquando da crise pandémica. Que momentos de superação comum!

Cada um exemplo individual, ou coletivo, é uma motivação para que também possamos resolver cada um dos nossos problemas, pequenos, em comparação, superando-nos.

Com, pelo menos, igual resiliência, pelo progresso, com coragem e vontade.

Enfim, cada um de nós pode sempre optar, por entre as estrofes dos Lusíadas, por escolher inspirar-se no orgulho das capacidades:

«E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.»
Ou, na última expressão daquela mesma obra:
«Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter (i)enveja».


Parabéns a quem tem a ambição de se superar sempre e de nos fazer acompanhar nessa marcha!

Paulo Neves é um «ilhéu», mas nenhum homem é uma ilha

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Foto: João Neves dos Santos