constituindo o mundo pra mim, anteparo
para o que foi um acometimento:
súbito é bom ter um corpo pra rir
e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
alegre do que triste. Melhor é ser.
Adélia Prado
De vez em quando, organizamos um jantar de meninas. Uma noite para falar bobagens e não pensar nas chatices quotidianas. Sabe muito bem! Há uns anos, li na Vogue que a amizade entre mulheres constitui uma fonte recíproca de força, bem-estar, alegria e saúde. Tudo isso por causa da OXITOCINA! (me lembrava vagamente de ter ouvido esta palavra tão estranha). A reportagem dizia que tudo tinha sido cientificamente comprovado através de pesquisas realizadas na Universidade de Los Angeles. Em tempos neopositivistas, o tal discurso tinha algum impacto. Mas o que é que uma coisa tem a ver com a outra? Parece que as amigas ajudam umas às outras a libertarem a tal da oxitocina, substância química que o cérebro produz e que é eficaz para combater o stress. (Porquê amigas, e não amigos? Porque a testosterona anula a sua produção.) Uau! Finalmente, a ciência deu por isso: ter amigas é o melhor remédio! Mas, continuava a pensar, onde raio já tinha ouvido a tal palavrinha. Eis que a Wikipedia me socorreu:
“A oxitocina (também chamada de ocitocina) é um hormônio produzido pelo hipotálamo e armazenado na hipófise posterior (neuro-hipófise), e tem a função de promover as contrações uterinas durante o parto e a ejeção do leite durante a amamentação. Ele ajuda as pessoas a ficarem juntas por muito tempo. Também é um hormônio ligado ao que as pessoas sentem ao, por exemplo, abraçar seu parceiro de longa data”.
Nem tentei pensar nas relações: produção de leite, contrações uterinas, bem-estar (lembrei-me da tal palavra, era o nome de umas gotas que pingava no nariz quando estava grávida) ... enfim, a química humana é mesmo fantástica. E pensar que durante anos estivemos a dar outros nomes aos bois, mais espirituais, por certo, mais metafísicos. A cada dia, a física e a química vão-nos mostrando o que realmente somos: humanos, demasiados humanos. O que, à partida, não é de todo mau.
Nem sempre há tempo, nessa louca vida que levamos, pois muitas vezes os caminhos se bifurcam, mas há sempre uma curvinha qualquer, uma esquina onde nos reencontramos. Sabe bem – a vida pode ser um deserto de afetos quando não paramos para um chá, uma praia, um jantar… há uns que preferem o deserto, que se regozijam apenas com sua própria companhia. Eu não gosto de desertos – prefiro esses encontros, com muita conversa jogada fora e muitos (a)braços. Viva a tal da oxitocina!
Mirian Tavares é professora
Crónica publicada em:
Foto: Isa Mestre