A noite morna convida ao passeio. Desafio o marido para uma saída — uma caminhada pela Baixa e uma bebida fresca num bar conhecido. Sentamo-nos, com uma vista maravilhosa para a ria anoitecida. Peço um cocktail vistoso. Não sei se vou gostar, mas a fotografia é linda.

Uns instantes depois, um casal estrangeiro instala-se na mesa ao lado. O empregado aproxima-se e o homem aponta para o meu copo cintilante. Vão tomar o mesmo.

Chegada a bebida à mesa, dão um gole e ela, sorridente, faz-me um sinal de aprovação com o polegar. Faço um ar de entendida na matéria e sorrio de volta.

Passada uma meia hora, noto que se preparam para sair. Chamam o empregado, que lhes cobra 20 euros. Estranho, porque podia jurar que tinha visto 8 euros na carta. Estranho ainda mais quando, à saída, é exatamente isso que me é cobrado.

Não sei a favor de que entidade reverte aquela taxa de boas-vindas ao país do sol e praia — se ao proprietário do estabelecimento, se ao funcionário —, mas está bem visto, sim senhor. Um preço para residentes e outro para quem vem de fora. Justíssimo!

Na manhã seguinte, confronto-me com outra situação em que os valores cobrados a habitantes locais e turistas diferem. Desta vez, de forma clara e devidamente anunciada. Estou na fila para entrar num parque aquático. À minha frente, três jovens — um casal de namorados e um rapazito mais novo. Adquiriram bilhetes com desconto para residentes. O casal mostra faturas que comprovam a sua morada. Ele explica que o miúdo é o seu irmão mais novo e que vivem na mesma casa: entrega os cartões de cidadão de ambos e uma cópia do do pai.

A jovem funcionária diz que precisa de uma fatura em nome do mais novo. Nada lhe garante que tenham a mesma morada. O rapaz liga ao pai, que lá os tinha ido deixar e tem de voltar para trás. O homem confirma o que já foi dito.

— E onde está a mãe? — pergunta a porteira. — Ele pode viver com ela noutro sítio. Preciso de uma fatura da água ou da luz com o nome dele.

— Sim, pode viver com a mãe noutro sítio. Ou com a avó. Ou com uma tia qualquer que vive na Suíça. E até podemos tê-lo raptado e vir escondê-lo aqui, não acha? — responde o pai, incrédulo. E insiste, perguntando-lhe se conhece algum miúdo de 13 anos que tenha faturas de água ou de luz em seu nome.

Mas não a apanha desprevenida:

— Pois, as pessoas pensam que são muito espertas. É só chegar aqui, dizer que são residentes e está feito. É que eu sou burra, sabe? — responde orgulhosa da sua invulgar sagacidade.

Ao que o homem responde com uma imprevisível suavidade:

— Pois sei, minha senhora. Pois sei. É burra que mete dó. Uma tristeza.

Enquanto isso, a fila aumenta. Aguarda-se um desfecho que parece não chegar. E, na impossibilidade de ver os anunciados e já pagos espetáculos com outros animais, contentam-se os visitantes com o inesperado número protagonizado por um orgulhoso e estridente exemplar de pura raça asinina.

Pois é. Por cá, já cheira a verão.

Sílvia Quinteiro é professora

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