Portugal assumiu, com o PERSU 2030, um compromisso claro com a sustentabilidade, apostando numa estratégia que privilegia a prevenção, a reciclagem e a valorização de resíduos urbanos. O plano estabelece metas ambiciosas, como a redução da deposição em aterro para 40% até 2030 e 10% até 2035, a recolha seletiva de 50% dos resíduos e a reciclagem de 60%. No papel, tudo aponta para uma revolução no paradigma da gestão de resíduos. No terreno, no entanto, persistem fragilidades que ameaçam o alcance dos objetivos definidos.


A primeira e mais crítica dificuldade é a fragmentação da governação. A multiplicidade de entidades públicas e privadas com competências sobrepostas resulta numa ação desarticulada, incoerente e, muitas vezes, ineficaz. Falta uma autoridade nacional com verdadeiro poder de coordenação e capacidade de imposição de metas vinculativas e penalizações claras para o seu incumprimento. A título de exemplo, a recolha diferenciada dos biorresiduos é obrigatória desde 2024 em todo o território nacional e contam-se pelos dedos de uma mão os Municípios que já a realizam. A ausência de uma liderança forte compromete a execução local e trava a inovação sistémica.

A segunda barreira está nas profundas assimetrias territoriais. Existem alguns sistemas intermunicipais e municípios a apostar em soluções tecnológicas e operacionais de referência — como recolha porta-a-porta, simulação de um sistema PAYT e valorização energética — enquanto outros continuam demasiado dependentes do modelo tradicional, centrado no aterro e sem data definida para implementarem estratégias focadas nos novos desafios. Esta desigualdade reflete, não apenas diferenças de capacidade financeira e técnica, vontade política, mas também disparidades no acesso a financiamento comunitário e apoio técnico. O risco é criar um país a duas velocidades no que toca à economia circular e com isso ficar aquém das metas propostas.

A terceira limitação prende-se com a literacia ambiental da população. Sem um investimento robusto e contínuo em educação e sensibilização, é difícil mudar comportamentos e garantir a correta separação de resíduos na origem. O envolvimento do cidadão é essencial para cumprir as metas, mas continua a ser negligenciado em muitos planos municipais.

Por fim, os constrangimentos financeiros e a rigidez dos instrumentos de financiamento disponíveis dificultam a inovação e a modernização dos sistemas locais. O PRR e o PT2030 trazem oportunidades relevantes, mas exigem maior simplificação de procedimentos e apoio técnico no reforço de competências municipal.

Face a este cenário, o caminho passa por cinco prioridades claras: (1) reforçar a autoridade e os meios da ERSAR, atribuindo-lhe um papel fiscalizador mais ativo; (2) criar plataformas de cooperação intermunicipal obrigatórias e operacionais; (3) condicionar o acesso a fundos à concretização de metas mínimas e indicadores verificáveis; (4) desenvolver campanhas nacionais de literacia ambiental com linguagem adaptada a diferentes públicos, criando mecanismos de penalização para quem não aderir ao sistema; e (5) investir numa infraestrutura digital nacional para a gestão inteligente de resíduos.

O PERSU 2030 representa uma oportunidade histórica para transformar o sistema de resíduos português num modelo de circularidade e eficiência. Mas, para tal, é necessário coragem política, inovação institucional e um verdadeiro pacto coletivo. Não basta definir metas, é preciso garantir que todas as peças do sistema — do cidadão ao decisor político, do operador à entidade reguladora, do produtor ao consumidor — trabalham em conjunto para as concretizar. E é preciso garantir que a implementação desta estratégia não traga aumentos significativos nas tarifas.

A economia circular é uma responsabilidade de todos. Pensem nisto.

Carlos Manso é Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas

Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #484 by Daniel Pina - Issuu

Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.