Durante muitos anos, a sardinha tem sido uma das principais espécies capturadas e um dos recursos mais importantes das águas portuguesas. Por este motivo, muitas comunidades costeiras – incluindo Portimão – têm na pesca da sardinha uma das suas principais atividades e sustento.

Mas a sardinha, em Portimão, não é só peixe – é religião. E nem precisa de altar: basta um grelhador velho, a alma das brasas e um pão de véspera pronto a colher a gordura santa que pinga do dorso prateado. Porque, em Portimão, sardinha que seja... tem de estalar na grelha, pingar no pão e ter a companhia da conversa, do brinde e da gargalhada. Não cabe numa caixinha dourada de preço de boutique – cabe é no coração de quem a come desde sempre.

Mas vejam lá no que isto deu: a nossa sardinha – esta vitaminada petinga atrevida que sempre esteve entre o carvão e o copo de vinho da casa – está agora a brilhar em Times Square como se fosse uma Kardashian em conserva.

Este é um verdadeiro motivo de orgulho nacional — e uma vitória inesperada da cultura popular portuguesa em âmbito global! A sardinha, que foi vista durante tanto tempo como o símbolo «modesto» e regional, agora tornou-se uma estrela internacional de identidade, estilo e mesmo glamour. Ter uma loja como «The Fantastic World of the Portuguese Sardine» em plena Times Square, que é o coração da cultura pop mundial, é algo que há poucos anos poderia bem parecer uma piada. Mas agora é real — e, ainda por cima, a sardinha está em tudo: moda, redes sociais, «lifestyle», televisão americana... até no Today Show! Não, não é brincadeira. A sardinha tornou-se uma tendência.

A mensagem que a marca comunica – “em Portugal, havia um segredo bem guardado que o mundo agora começa a descobrir” – é certeira. Durante muito tempo, o país e os seus símbolos ficaram debaixo do fogo da luz dos holofotes, apesar da riqueza da sua cultura e gastronomia. Agora, o mundo lentamente vai tendo a percepção de que ali há algo verdadeiro, saboroso, divertido e cheio de alma. Do ponto de vista simbólico, é bonito ver um ícone popular e acessível, como a sardinha, ser tratado como uma coisa preciosa, artística e até «fashion». É a cultura de rua, os Santos Populares, o cheiro ao verão da brasa, as festas de bairro – agora exportadas com orgulho.

A verdade? Nunca fomos segredo. Fomos é desvalorizados — pelos outros e, pior ainda, por nós próprios. Durante décadas, olhámos para os nossos símbolos com um certo complexo de inferioridade. A sardinha? “Coisa de feira.” A gastronomia popular? “Menos nobre.” Mas agora que a sardinha está nas luzes da ribalta em Manhattan, a pergunta impõe-se:

Vamos continuar a ver o nosso património como coisa menor, ou vamos assumir, com orgulho, que a sardinha é pop, é arte, é identidade?

Se pensarmos em termos de identidade gastronómica e promoção turística, isto é ouro puro. O «Sardine Summer» pode (e deve) ser aproveitado por marcas, confrarias, entidades públicas e criadores culturais como uma plataforma para exportar valores como: a sustentabilidade alimentar (peixe azul, pesca tradicional); o saber-fazer português; e a alegria da vida simples e saborosa.

A sardinha virou pop. E ainda bem. Agora, cabe-nos a nós, cá dentro, valorizar mais o que é nosso, apoiar e dignificar quem a pesca, produz e promove com autenticidade. Convençam-se de que a sardinha não é só alimento — é memória, cultura, alegria e resistência. É símbolo de comunidades, de afetos, de uma economia local que precisa de ser cuidada. Mas também é um terreno fértil para a criatividade, para o humor, para a reinvenção. E sim, até para o design e a moda. O fenómeno global da sardinha é uma oportunidade, mas é também um alerta. Se não formos nós a dar valor ao que é nosso, outros virão e fá-lo-ão por nós — com lucro, sem alma, sem raízes.

Está na hora de proteger receitas tradicionais, apoiar os pescadores, dar visibilidade à cozinha de origem, criar produtos com identidade. Está na hora de afirmar que a sardinha é glocal: local na alma, global na projeção.

Sim, a sardinha chegou à Times Square. Mas agora é urgente que volte a entrar com força nas nossas escolas, nas nossas políticas culturais, nas nossas conversas. Que seja mais do que uma moda: que seja um movimento de orgulho portimonense, algarvio, português!

Não me cansarei de dizer (e escrever) que: Se há espaço para sardinha na montra do mundo, também há espaço para ela no centro da nossa visão de futuro a nível local e regional.

«Portimão, Terra da Sardinha» pode e deve ser uma marca. A nossa marca!

À semelhança de outras cidades, uma plataforma estratégica promotora da cidade, da região e da oferta turística associada à sardinha. Antes que outros cheguem, é fundamental impulsionar e fortalecer «Portimão, Terra da Sardinha» como a nossa marca territorial, por esta desempenhar um papel essencial para o sucesso regional no mundo globalizado e altamente competitivo em que vivemos.

Júlio Ferreira é um inconformado encartado

Crónica publicada em: