Há tempo, muito tempo que eu estou longe de casa
E nessas ilhas cheias de distância
O meu blusão de couro se estragou (…)
Até parece que foi ontem minha mocidade
Com diploma de sofrer de outra universidade
Minha fala nordestina
Quero esquecer o francês
E vou viver as coisas novas que também são boas
O amor, humor das praças cheias de pessoas
Agora eu quero tudo
Tudo outra vez.
Belchior
Ontem alguém me disse: “Pensas em voltar para o Brasil?, com muita surpresa na voz. Como se voltar fosse uma espécie de falha, de loucura, de falta de rumo. Ano passado, foi a ideia de voltar para casa que me fez reagir e ganhar ânimo. Não voltei, ainda estou aqui, que é também minha casa. Aliás, Faro é a cidade onde vivi mais anos e já estou em Portugal há mais de 20, o que é quase metade de uma vida inteira. Vou embora para Pasárgada, dizia o poeta. Sei que Pasárgada é um mito, nada nos espera do mesmo jeito. Quem sai, alimenta, muitas vezes, um sempiterno desejo de voltar, mesmo sabendo que, depois de algum tempo a viver fora, já não se volta, se vai. Quanto mais tempo passamos longe, mais a nossa casa é o lugar onde estamos e aquela que ficou para trás é uma memória e, como todas as memórias, pode ser falseada. Tendemos a pensar no que está longe como algo doce e aconchegante. Como algo que nos falta, porque já não o temos aqui e agora. Mas ao voltarmos podemos perceber que o que nos falta ficou, outra vez, para trás. É o problema das aves migratórias, que andam de um lado para o outro, enquanto o seu desejado e distante lar sofre transformações. Quando decidem voltar, constatam que já não é a mesma casa. Talvez a casa daqueles que, como eu, foram nómadas, seja a viagem, o estar entre… o caminho. As cegonhas, que vivem nas torres altas desta cidade, que o digam. Pensaram que já não valia a pena voltar. Pensaram que sequer valia a pena ir. E se deixaram ficar. Foram arrumando seus ninhos, aqui e acolá, e tornaram-se paisagem. Eu talvez não queira ser paisagem. Mesmo que voltar esteja longe no tempo. Mesmo que voltar seja um novo ir.
Mirian Tavares é professora
Crónica publicada em:
Foto: Isa Mestre