Rumo ao país do leve-leve. Avisada de que lá não poderei comprar nada, coloco nas malas muito mais roupa do que normalmente levaria. Preciso de indumentária formal para reuniões e palestras, mas também de opções para saídas e praia. Sei que a biblioteca da universidade dispõe de poucos títulos, por isso aproveito para preencher o espaço que me resta com edições recentes para oferecer. À cautela, boa parte do vestuário e dos produtos de higiene segue na mala de mão.
Não gosto de surpresas e o adiamento do voo por 24 horas deixa-me nervosa. Os bilhetes de Faro para Lisboa estão perdidos; há que comprar novos. Um dia de viagem a menos. Ainda assim, decido não deixar que a contrariedade me afete o entusiasmo.
Chega, finalmente, a hora de embarcar. No momento de entregar as malas, a companhia aérea tira mais uma da cartola: ignora o peso contratado para a bagagem de cabine. Tenho de aliviar a carga. Transfiro à pressa o que consigo para a mala de porão. Fico com o computador, o telemóvel, os medicamentos e uma muda de roupa.
Sabendo que o avião habitual está avariado, pergunto à funcionária a que companhia pertence o aparelho em que irei viajar.
— Não sei. — responde.
E havia de saber porquê?, penso. Um pormenor, apenas.
Preparo-me para avançar, mas reparo, no meio da atrapalhação, nas letras minúsculas que, sob «São Tomé», indicam: «via Tamanrasset». Num passe de magia, o meu voo direto transformou-se numa viagem com escala. Volto atrás:
Preparo-me para avançar, mas reparo, no meio da atrapalhação, nas letras minúsculas que, sob «São Tomé», indicam: «via Tamanrasset». Num passe de magia, o meu voo direto transformou-se numa viagem com escala. Volto atrás:
— Desculpe, onde fica Tamanrasset?
— Não sei. — afirma a funcionária.
— Certo… mas seja onde for, quanto tempo ficamos lá? Mudamos de avião? Para onde foram despachadas as minhas malas? – pergunto.
— Não lhe posso dar essa informação. — responde, já farta da passageira insistente.
— E quem pode? — questiono.
— Não sei. — O sorriso é triunfante.
Claro. Que disparate o meu. Porque haveria alguém de saber para onde vou, se a paragem é longa ou curta, ou o destino da minha bagagem?
Consulto o telemóvel. Descubro que Tamanrasset fica na Argélia. Na Argélia! Na Argélia!
Claro. Que disparate o meu. Porque haveria alguém de saber para onde vou, se a paragem é longa ou curta, ou o destino da minha bagagem?
Consulto o telemóvel. Descubro que Tamanrasset fica na Argélia. Na Argélia! Na Argélia!
Se o arrependimento me trouxesse a bagagem de volta, esta viagem nunca teria acontecido.
À entrada para o avião, nova surpresa: o aparelho é mais pequeno do que o habitual. As malas de mão não cabem e seguem também para o porão. Restam-me o portátil, o telemóvel e os medicamentos.
Enquanto procuro compreender o que se passa, um cavalheiro suado e de mau humor grita que parte da bagagem ficará em terra. Só me resta torcer para que a minha não seja uma delas. Era azar a mais.
Apesar de tudo, e quando até disso já duvidava, o avião levanta voo. Em Tamanrasset, e só aí, descobrimos que a paragem será breve. Apenas o tempo suficiente para abastecer. Cerca de 40 minutos depois, seguimos viagem. Um voo surpreendentemente tranquilo, apesar dos clarões dos relâmpagos que iluminam o interior das nuvens cinzentas sobre o Golfo da Guiné. Aterramos ao amanhecer.
No Aeroporto Nuno Xavier, a entrega de bagagem faz-se numa tenda com vista para o exterior. Aguardo ansiosamente. Nem sinal da minha mala. Ficaram muitas em Lisboa, sussurra-se. Os passageiros protestam. Estão descontentes, mas não surpreendidos. É normal, fico a saber. E também o é esperar horas para reclamar. Um único funcionário, num gabinete minúsculo, sentado numa cadeira rota e desengonçada, anota lentamente as reclamações. Lá se vai mais meio-dia de viagem.
No hotel, pergunto onde posso comprar o essencial.
À entrada para o avião, nova surpresa: o aparelho é mais pequeno do que o habitual. As malas de mão não cabem e seguem também para o porão. Restam-me o portátil, o telemóvel e os medicamentos.
Enquanto procuro compreender o que se passa, um cavalheiro suado e de mau humor grita que parte da bagagem ficará em terra. Só me resta torcer para que a minha não seja uma delas. Era azar a mais.
Apesar de tudo, e quando até disso já duvidava, o avião levanta voo. Em Tamanrasset, e só aí, descobrimos que a paragem será breve. Apenas o tempo suficiente para abastecer. Cerca de 40 minutos depois, seguimos viagem. Um voo surpreendentemente tranquilo, apesar dos clarões dos relâmpagos que iluminam o interior das nuvens cinzentas sobre o Golfo da Guiné. Aterramos ao amanhecer.
No Aeroporto Nuno Xavier, a entrega de bagagem faz-se numa tenda com vista para o exterior. Aguardo ansiosamente. Nem sinal da minha mala. Ficaram muitas em Lisboa, sussurra-se. Os passageiros protestam. Estão descontentes, mas não surpreendidos. É normal, fico a saber. E também o é esperar horas para reclamar. Um único funcionário, num gabinete minúsculo, sentado numa cadeira rota e desengonçada, anota lentamente as reclamações. Lá se vai mais meio-dia de viagem.
No hotel, pergunto onde posso comprar o essencial.
— É domingo — diz o rececionista. — Amanhã há supermercado.
Depois de tantas horas de viagem, só quero um banho e roupa limpa. Contento-me com o banho. Da agência de viagens chega a indicação de que devo adquirir o necessário e apresentar a fatura ao seguro. Uma ideia que seria excelente… num país onde houvesse o que comprar.
Rendo-me. Lavo a roupa à noite para usar de dia. Descubro que o gel de duche é um ótimo detergente, que o secador de cabelo será o meu melhor aliado nos dias que se seguem, e que luxo mesmo era ter onde ir comprar escova e pasta de dentes.
É nesse instante que começo a compreender o espírito da terra. Se não há como resolver… mais vale relaxar, sorrir e ir por onde, como e quando a vida nos deixar: leve-leve.
Depois de tantas horas de viagem, só quero um banho e roupa limpa. Contento-me com o banho. Da agência de viagens chega a indicação de que devo adquirir o necessário e apresentar a fatura ao seguro. Uma ideia que seria excelente… num país onde houvesse o que comprar.
Rendo-me. Lavo a roupa à noite para usar de dia. Descubro que o gel de duche é um ótimo detergente, que o secador de cabelo será o meu melhor aliado nos dias que se seguem, e que luxo mesmo era ter onde ir comprar escova e pasta de dentes.
É nesse instante que começo a compreender o espírito da terra. Se não há como resolver… mais vale relaxar, sorrir e ir por onde, como e quando a vida nos deixar: leve-leve.
Sílvia Quinteiro é professora
Crónica publicada em: