A Assembleia Intermunicipal do Algarve realizou, no dia 2 de julho, uma sessão extraordinária no auditório da CCDR Algarve, em Faro. Na segunda parte da reunião foi promovido um debate com o tema «Os Desafios da Habitação no Algarve» que contou com as participações da arquiteta Helena Roseta e de Nelson Dias, da Associação Oficina.
A sessão de abril da Assembleia Intermunicipal decorreu em pleno apagão, que assolou o país, pelo que houve assuntos que não foram votados. Assim, e porque este órgão também existe para motivar os algarvios para a discussão dos grandes temas respeitantes à região, acrescentou-se à agenda da reunião extraordinária da passada quarta-feira um segundo momento dedicado ao tema «Os Desafios da Habitação no Algarve», que contou com as participações da arquiteta Helena Roseta e de Nelson Dias, membro fundador da Associação Oficina (entidade especializada em democracia participativa e políticas públicas), e com a presença de vários convidados. O tema da habitação é “da maior pertinência e relevância, sendo um fator crítico para o desenvolvimento económico e social da região”, lembrou o presidente da Assembleia Intermunicipal, José Águas da Cruz, ao dar início ao debate.
Começou por ter a palavra o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, que fez uma intervenção sobre «Os fundos europeus da Política de Coesão e a crise da Habitação». José Apolinário referiu um dado fundamental que é o facto de os 16 municípios do Algarve terem já as suas estratégias locais de habitação aprovadas pelas assembleias municipais, trabalho este feito em conjunto com a AMAL e com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). Lembrou, também, que a União Europeia vai reforçar as verbas para esta área. “Se olharmos para o relatório do Gabinete de Estudos do Parlamento Europeu sobre os dados das verbas disponibilizadas para a habitação, e segundo o Tribunal de Contas, percebe-se que o PRR está centrado nas áreas metropolitanas, ou seja, para mim, não respeita o princípio de não prejudicar a coesão”, declarou, uma situação que, defende, tem de ser alterada. O responsável da CCDR Algarve referiu ainda que, “independentemente dos contextos políticos e ciclos eleitorais, é fundamental salvaguardar algumas situações, nomeadamente, e entre outras, reforçar o papel das regiões na construção do futuro da Europa; aumentar a eficácia das políticas de base municipal e local e aplicar o princípio de não prejudicar a coesão”. “Temos de continuar a trabalhar em rede, como aliás temos já feito nos últimos anos. Porque juntos, e só juntos, o Algarve avança”, avisou.
Nelson Dias fez depois a apresentação «Desafios de Habitação no Algarve», focada, maioritariamente, em dados disponíveis até maio deste ano e entre os quais se destacam: número total de fogos de habitação disponíveis no Algarve – 393 mil e 397; número total de fogos de habitação pública municipal – 4 mil e 354 (representando 1,1 por cento de todo o Parque habitacional); número total de alojamentos locais licenciados – 44 mil e 439 (representando cerca de 11 por cento de todo o parque habitacional); número total de residências vagas no Algarve – 46 mil e 792 (31 mil e 304 para venda e 15 mil e 448 por outros motivos). Relativamente à procura e oferta da habitação pública municipal no Algarve, a oferta atual é de 4 mil e 354, estão previstos 5 mil e 399 novos fogos até 2030 (segundo dados dos municípios) e a procura habitacional atual é de 7 mil e 821. Para o fundador da Associação Oficina, os grandes desafios da habitação no Algarve passam por “mais planeamento; mais regulação; aumento da oferta; concertação e capacitação”, referindo que, principalmente nestes dois últimos pontos, “o papel da AMAL é, e continuará a ser, fundamental”.
«A crise da habitação e o papel do poder local» foi o título da apresentação de Helena Roseta, que começou por afirmar que a crise da habitação está a agravar-se e a desesperança aumenta, abalando a confiança na democracia. Para a arquiteta, “estes são sinais de alarme sintomáticos de duas questões de fundo: insuficiência e ineficácia das políticas públicas de habitação e profundo disfuncionamento do mercado habitacional”. “É preciso perceber que o mercado de habitação mudou muito e que o forte e rápido aumento da escala da procura fez disparar os preços”, apontou. De acordo com Helena Roseta, especialista nesta área, existem estudos que indicam que Portugal é o país europeu com menos acessibilidade à habitação, sendo que “continuamos a ter famílias sem casas e casas sem famílias”, lembrando depois que, no Algarve, havia 46 mil e 752 casas vazias registadas pelo INE, em 2021 (no país eram 723 mil).
A arquiteta defendeu que os municípios, de todo o país, deviam tentar perceber porque é que estas casas estão vazias e que medidas podiam ser tomadas para mudar essa realidade (quer incentivos, quer penalizações). Defendeu também que não é possível equilibrar a oferta com a procura sem regulação pública: “Existindo uma oferta que é local e territorialmente limitada vs uma procura que é global e virtualmente ilimitada, é impossível equilibrar os pratos da balança sem regulação pública democrática”. Nesse sentido, diz que é primordial que seja, efetivamente, tida em conta aquilo que designou por “mala de ferramentas da habitação” que inclua a Promoção Pública de habitação; Medidas fiscais; Subsidiação e Regulação legal.
Helena Roseta aproveitou para deixar, também, algumas ideias relacionadas com o envolvimento dos cidadãos na tomada de decisões, referindo que, no âmbito do novo Programa Regional para a Promoção da Participação Cívica, previsto no Plano de Desenvolvimento Social do Algarve (e sobre o qual felicitou a região), seria importante “criar instrumentos que alarguem as formas de participação cidadã no desenvolvimento da região, nomeadamente, estimular a criação de conselhos municipais de habitação e incentivar a participação dos moradores dos bairros sociais na gestão dos seus bairros, através de associações ou comissões de moradores”.
O presidente da AMAL foi outro dos participantes do debate e referiu que passados 50 anos continuamos a falar das mesmas coisas: habitação, salários, saúde, descentralização. “É verdade que nos últimos 25 anos as coisas melhoraram, mas estamos, atualmente, com um sentimento muitas vezes repetido, a desesperança, porque muitas famílias continuam sem casa e este é um princípio básico que deveria estar disponível para todos”. Para António Pina, o ideal seria reabilitar; promover nos Planos Diretores Municipais, “e isso já vai acontecendo”, uma percentagem da área consolidada urbana para os municípios avançarem com construção a preços controlados, para venda e arrendamento, ou ter regras para o alojamento local. Mas a verdade, lembrou, “é que tudo isto leva muito tempo e não conseguimos aferir se o resultado é direto”. Da experiência enquanto autarca, entende que “devemos mesmo construir seja para arrendar (preferencialmente), seja para vender, mas não me parece que o país tenha essa capacidade de endividamento”.
Por outro lado, diz, “o regime de endividamento das autarquias que está em vigor também não nos permite avançar com a construção de habitação”. “Só o podemos fazer se for através de empresas municipais”. O caminho que defende é o da “construção de habitação pública, por parte dos municípios, mas para isso é necessária a revisão da Lei dos Solos e da Lei das Finanças Locais”. “Para além disto, a Europa também precisa de se organizar para poder facilitar o endividamento junto das famílias. Se conciliarmos estas três vertentes: terrenos, o público a fazer a sua própria construção e financiamento europeu para a habitação conseguimos ter uma taxa de esforço mensal na ordem dos 500 euros (que, para 2 pessoas numa casa, representaria uma taxa de esforço de 25 por cento se pensarmos que o salário mínimo está a chegar aos 1.000 euros)”.
A finalizar o painel de convidados foi a vez de Carlos Baía, da Câmara Municipal de Faro e vogal do Conselho Diretivo da Associação Portuguesa de Habitação Municipal. O vereador deixou algumas notas. Uma referente ao PRR, falando “em desilusão” a respeito deste Programa porque num primeiro momento falou-se na construção de 26 mil casas, depois percebeu-se que, ainda assim, seriam insuficientes para dar resposta às necessidades, acrescendo a burocracia dos processos, os prazos de execução estipulados no PRR (muito curtos), a falta de know how das equipas das autarquias e um outro factor que prejudicou alguns municípios, a concorrência, uma vez que as empresas de construção foram chamadas para dar resposta a outros setores como a saúde, o sector social ou a educação. “Vamos, infelizmente, ficar muito aquém do objetivo inicial e o desafio agora é perceber o que é que podemos fazer. A verdade é que quando se implementam medidas de âmbito nacional de forma cega percebemos que a sua eficácia não é aquela que se gostaria porque é preciso perceber que o Algarve tem características muito próprias em relação ao resto do país, e por essa razão devemos saber reivindicar medidas territorializadas”, referiu. Existe, na região, um défice histórico no que diz respeito a construção de habitação municipal e, ao contrário do resto do país, o Algarve, está a crescer e, portanto, a procura e necessidade de casa tem sido cada vez maior.
Falando mais concretamente da situação de Faro, Carlos Baía referiu que “está em vigor a Estratégia Local de Habitação, revista em 2023 e mais robustecida, que prevê a disponibilização de cerca de 1000 fogos no mercado”. Atualmente Faro tem um parque habitacional de 40 mil fogos, sendo destes 400 de habitação municipal. Para o vereador uma coisa é certa: “O tema da habitação não pode, mesmo, sair da agenda política”.