À falta de recursos financeiros a região e muitas das suas iniciativas têm sobrevivido graças ao talento, adesão de muitas vontades que, de repente, surgem, de entre as pessoas que menos se espera ou motivados pelas lideranças que se afirmam episodicamente.
Pois claro que assim é normal que falte sustentabilidade a boas ideias, que vingariam havendo direcionamento de políticas e/ou apoios estratégicos.
Invariavelmente os projetos são bem pensados e até reúnem, em determinado momento, a concertação de vontades óbvias dos vários níveis e atores que detém responsabilidades nos vários setores. Mas depois, mudam-se os atores e deixa de acontecer ou desvanece a capacidade de manter as expetativas e, portanto, alteram-se os objetivos e ficamos aquém do sonhado até ao definhamento do anunciado.
Temos de facto empreendedores, nos vários domínios, muitos que vão além dos limites para superar as novas dificuldades e surpresas do caminho que trilham esperando o cumprimento de terceiros. Aguentam porque têm talento. Vontade.
Que rica, em talentos, é esta região. Imaginem o que foi feito por tantos apesar da falta de compromisso de terceiros que a seguir tolhem o futuro prometido.
Foi assim no turismo em que o Algarve esteve tantos anos sozinho a lançar novas ofertas e produtos, a manter e fazer florescer atividades e investimentos ainda assim sem acompanhamento de infraestruturas, equipamentos, promoção e envolvimento.
Somos uma potência graças aos recursos endógenos e um deles, o maior, as pessoas que vivem e vieram viver para a região e a fizeram crescer, criando nova riqueza e oportunidade a muitos que viviam e viveriam muito pior se o desenvolvimento não substituísse a pobreza instalada.
Basta pensar que, mesmo sendo contribuintes líquidos, não recebemos retorno para maximizar tais investimentos, o que seria se nos mantivéssemos no anonimato nacional da subsistência regional.
É assim na cultura. Programa de eventos prometidos cuja continuidade sucumbe aos sabores do momento político que só existem, outros, por força dos recursos locais. Equipamentos com grande impacto que deveriam ser apoiados por uma rede nacional de orquestras, produções e organização dos chamados Teatros Nacionais que só nos chegam se negociarmos como as demais ofertas privadas.
Os equipamentos vão-se mantendo por teimosia das vontades locais e dos recursos destes que os mantêm abertos, porque públicos foram criados por força de talentos que não desistem de surpreender na qualidade da sua afirmação, pois que apoios estruturados também lhes não chegam.
Tive a honra de em dois momentos ter participado em oportunidades que singraram apesar de todas as dificuldades.
A fundação da Orquestra do Algarve (estava então da Região de Turismo) e a teimosia do maestro Alvaro Cassuto com a dos municípios fizeram acontecer (e agora ainda manter-se) esta fantástica oferta cultural. Vão ao site da NAXOS e surpreendam-se com a qualidade das gravações e a quantidade dos suportes disponíveis com o nosso nome, assim como gravações da Antena 1 ou na RTP de então. A teimosia dos talentos que se lhe seguiram fez com que o projeto não sucumbisse e já passaram quase 25 anos desde que foi alojada, inicialmente, no 8.º piso da RTA.
O Teatro Municipal de Faro (Teatro das Figuras) que agora atingiu 20 anos de atividade, onde também contribuí, no início, com quem sabia (muito mais do que eu) para a sua afirmação.
Mas vivem ainda dessas vontades que fazem com haja oferta cultural a enriquecer a nossa oferta turística e a nossa formação cívica enquanto comunidade, com novos compositores, músicos, atores, criadores, produtores, interpretações…
Somos ricos, tão ricos que a «capital do outro reino» continua a não integrar, maximizar, impulsionar, reconhecer tanta atividade. Estes casos e muitos outros casos que os talentos teimam em manter com base na sua vontade e recursos locais sendo pouco/nada aproveitados no concerto nacional. E não era para ser assim.
Era para sermos uma nação com um sentimento coletivo que respeitasse e aproveitasse estes talentos, melhor aproveitando os recursos, fazendo e conseguindo melhores resultados com menos custos e esforços assim apoucados.
A nossa história merece outro comportamento e concerto de vontades que não passando com mudanças de ânimos, dando estabilidade aos criadores, intérpretes e provocadores do desenvolvimento nas diversas frentes e domínios.
É de improvisar quando há imprevistos. Somos bons nisso e temos talento também para «salvar o momento». Mas não devemos estar sempre a improvisar. Um planeamento participado dará a mais melhores oportunidades, sem repetições desnecessárias, com melhor gestão dos recursos e resultados de nível superior como almejamos.
O que escrevi nestes setores aplica-se, por igual razão, noutros planos onde, de quando em vez, soçobramos porque o país deixa que nos «entretenhamos» a ver se desistimos a favor da concentração científica e de investigação dos lugares do costume ao invés de apoiar, de forma estruturada, a competição de talentos disseminada no território e que ajudem ao seu desenvolvimento e aproveitemos vontades e adesão de tantos jovens que nos darão futuro aqui, na sua terra. Concertemos poderes e vontades na(s) voz(es) da região.
Não potenciemos a emigração de talentos parecendo tão preocupados com a imigração.
De outra forma porque seríamos um Estado-nação?
Portugal precisa e o Algarve merece.
Paulo Neves, «ilhéu», mas nenhum homem é uma ilha
Crónica publicada em:
Foto: João Neves dos Santos