Numa altura em que Portugal discute a sustentabilidade das contas públicas, o crescimento económico e a eficiência do Estado, há uma pergunta que continua sem resposta clara: as políticas públicas que aplicamos funcionam mesmo?
Todos os anos, o Estado investe milhares de milhões de euros em programas, subsídios, incentivos e obras públicas, mas raramente se avalia, de forma rigorosa e transparente, se essas medidas produzem resultados concretos na vida das pessoas e no tecido económico nacional.
Executam-se orçamentos, elaboram-se relatórios de atividades, contratualizam-se metas físicas, mas o impacto real, o valor acrescentado, a sustentabilidade das políticas públicas, continuam a ser questões secundárias ou até ignoradas pelos sucessivos governos e pela população em geral.
Portugal tornou-se, nos últimos anos, um país mais preocupado em cumprir o Código dos Contratos Públicos do que em decidir bem. A obsessão com o formalismo, com o «cumprir a regra», transformou-se num fim em si mesmo, já que cumprimos regulamentos, relatórios, normas e checklists, mas nem sempre nos perguntamos se aquilo que decidimos é o que faz mais sentido para o país, para as pessoas e para o futuro.
A legalidade não garante, por si só, qualidade e uma política pode estar juridicamente irrepreensível e, ainda assim, ser socialmente ineficaz, economicamente desajustada ou até mesmo contraproducente.
A avaliação de políticas públicas não é um luxo tecnocrático, é uma ferramenta essencial de boa governação permitindo saber o que funciona, corrigir o que falha e canalizar recursos para onde geram maior impacto económico e social.
Existem vários exemplos noutros países, onde a avaliação está no centro das decisões públicas. A título de exemplo, no Canadá, as políticas federais são avaliadas por equipas especializadas ligadas diretamente ao orçamento. No Reino Unido, nenhuma grande despesa pública avança sem uma análise custo-benefício séria. No Chile, os programas governamentais são avaliados todos os anos, com relatórios públicos que influenciam decisões orçamentais.
No entanto, em Portugal continuamos a confundir execução com eficácia e eficiência. O cumprimento do CCP não é suficiente e gerir bem é mais do que adjudicar legalmente. É transformar positivamente o país.
Uma democracia saudável exige responsabilização política e cívica, accountability. Mas como pedir contas a um governante se não sabemos o impacto das suas decisões?
Sem avaliação, perpetuam-se programas ineficazes e medidas inócuas, protegidas por relatórios formais que nada dizem sobre os verdadeiros resultados. Já a avaliação bem feita obriga à transparência, ao escrutínio e à melhoria contínua. Um acionista de uma empresa sabe perfeitamente qual o valor que a sua participação lhe rende e decide racionalmente sobre os investimentos presentes e futuros com base na sua rentabilização. Os eleitores deverão começar a fazer o mesmo relativamente às políticas públicas.
Precisamos de um Observatório Nacional de Políticas Públicas, com autonomia técnica, mandato transversal e ligação institucional ao Parlamento, não com o propósito de substituir os governos, mas para apoiar decisões com base em evidência, avaliar políticas em curso e dar visibilidade pública aos seus resultados.
Este observatório deve ter acesso a dados administrativos e estatísticos; produzir avaliações ex ante, durante e ex post; articular-se com universidades, centros de investigação e o Tribunal de Contas; publicar relatórios acessíveis, independentes e úteis para o debate público.
Com os desafios que enfrentamos, maiores desigualdades sociais, transição digital, dificuldade no acesso à habitação, envelhecimento da população, coesão territorial, não podemos continuar a desperdiçar recursos por falta de avaliação séria. Não basta fazer políticas legais, é preciso fazer boas políticas.
Avaliar não é travar decisões, é garantir que são as decisões certas. Pensem nisto.
Carlos Manso é Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas
Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #493 by Daniel Pina - Issuu
Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.
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