Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Gonçalves Dias

Há uns anos recebi uma aluna, que vinha da Sorbonne, fazer uma disciplina comigo na Universidade do Algarve. Eu chegara havia pouco tempo e estava a dar aulas num mestrado em Literatura Comparada. A aluna, uma senhora paulistana de nariz empinado, sentou-se no meu gabinete e, quando me ouviu falar, muito admirada, perguntou: “Mas você é nordestina? E como chegou até aqui?”. De avião, claro. Minhas amigas portuguesas achavam que ela estava admirada por eu ter trocado o maravilhoso Nordeste do Brasil, pelo Sul, não menos maravilhoso, de Portugal. Tirei-lhes logo a ilusão: a criatura se perguntava era como, sendo eu nordestina, ocupava um lugar de destaque numa universidade portuguesa. E olha que eu ainda estava longe de ser catedrática. Quando o semestre acabou, ela disse-me: “Agora percebi porque está aqui”. Independentemente de ser ou não nordestina, se eu estava ali, era porque tinha trabalhado muito para lá chegar. Mas, para ela, uma sudestina de gema, era mesmo estranho que uma nordestina estivesse ali. Vivi em muitas cidades do Brasil, antes de trocar de país. Uma colega, dos meus tempos de licenciatura, escreveu que me achava muito inteligente, como costuma acontecer com as pessoas que vêm do Nordeste. É um elogio retorcido – porque parece que eu não sou uma pessoa apenas, mas sim uma nordestina. E sou, com muito gosto. Uma vez, em Macau, numa reunião na Universidade de São José, descobri que o Diretor da Escola de Business é cearense, de Fortaleza. Somos muitos, é verdade: se quiséssemos, poderíamos dominar o mundo. Mas, na verdade, gostamos de ir e de vir.

O rio Tejo é magnífico, mas não é o rio da minha aldeia. O mundo é vasto e maravilhoso, mas hoje, ao entardecer, enquanto caminhava sozinha pela Av. Beira Mar, em Fortaleza, e via pessoas com cachorros e crianças, a correr, a andar, a passear, a praticar desporto, a beber água de coco... ouvia os vendedores a anunciar tapioca, dindin, café, fruta fresca e acarajé, pensei que era aqui e agora que eu gostaria de estar. É tão bom, e tão raro, estar-se bem onde se está. Sem romantizações, diz-se que ser brasileiro é uma profissão, mas ser nordestino é uma bênção.

Mirian Tavares é professora

Crónica publicada em:

Foto: Isa Mestre