O cão é um cavalheiro,
eu espero ir para o céu deles, não para o dos homens.
Mark Twain
A mais exitosa campanha de rebranding dos últimos tempos foi a dos caramelos. Ou melhor, Caramelos, pois eles se assumem com letra maiúscula. Para quem não é do Brasil, explico: os caramelos são os cães que eram chamados, há uns tempos, de vira-latas. São os rafeiros, em Portugal. Quando eu vivia aqui, ou mesmo nas muitas vezes em que cá voltei, a passeio ou a trabalho, via os cães a andarem nas ruas de cabeça baixa, com um ar famélico. Eram enxotados dos passeios e tentavam, para sobreviver, tornarem-se invisíveis, parte da paisagem, ou camuflados – assumiam a cor das pedras sujas do calçamento ou das paredes descascadas. De repente, alguém se lembrou de rebatizá-los, deixaram de ser vira-latas e passaram a assumir o nome mais digno, e doce, de caramelos. O nome foi inspirado na cor de pelo que a maior parte deles ostenta – um tom entre o amarelo queimado e o dourado. Parecem um caramelo quando está quase no ponto – uma calda doce e apetitosa. Muita gente decidiu adotar um caramelo, passou-se a exibir, sem constrangimentos, um belo espécime, numa coleira toda chique, pelos mais diversos lugares da terrinha. E ganharam também protagonismo nas redes sociais – há perfis e perfis dedicados aos bichos. Desde aqueles que criam memes, aos que contam histórias protagonizadas por eles, os heróis do momento. Os donos do pedaço. Outro dia, caminhava na avenida Beira-mar e deparei-me com um bando (ou matilha, em português mais formal) de caramelos. A bem da verdade, nem todos têm o pelo da mesma cor: há os branco e preto, os com manchinhas castanhas, os que não têm cor definida. Há de um tudo, como se costuma dizer, mas eles não pensam muito nisso, são todos caramelos, orgulhosamente. Andam pelas ruas com um ar altivo, olham as pessoas nos olhos, mesmo mantendo o olhar docinho e, às vezes, triste (estratégia milenar usada para amolecer até os corações mais duros), mas seguem o baile. Passeiam entre as mesas dos bares, deitam-se onde bem lhes apetecer, mesmo que seja no meio do calçadão mais importante da cidade. E já quase ninguém os enxota. Há os que ainda preferem seus cães que custam milhares de reias, mas mesmo estes, muitas vezes, adotam um caramelo. Porque fica bem na ficha corrida do cidadão: tutor de um caramelo. Acho que os caramelos são os gatos do mundo canino. Passeiam despreocupados, cabeça erguida, barriga cheia. Não duvidam do seu valor, até se tornaram interesseiros, mas continuam fofos e fiéis. Quem imaginou esse rebranding merecia um prémio da sociedade dos marketeiros, se é que existe alguma. Resultou tanto, que até os próprios cães descobriram sua autoestima. Eles sabem que valem muito e, por isso, andam por aí a correr atrás de motos, a nadar na praia, a organizar-se em bandos, a dominar a área. São os maiores. E continuam uns queridos.
Mirian Tavares é professora
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Foto: Isa Mestre