Vivemos hoje numa era marcada por uma falsa novidade e que a todos causa indignação, as fake news ou em bom português, notícias falsas. Com a massificação das fake news nas redes sociais, parece que a desinformação ganhou uma nova dimensão. No entanto, a mentira, ou melhor, a manipulação da verdade com objetivos políticos, económicos ou ideológicos, tem uma longa história. A diferença entre o passado e o presente não está tanto na intenção, mas no meio, na velocidade e na descentralização e massificação da sua difusão.
Durante décadas, as fake news foram monopólio das elites com acesso privilegiado aos meios de comunicação, nomeadamente nos jornais, rádios e, mais tarde, nas televisões que funcionavam como vetores controlados por partidos políticos, governos ou grupos económicos. O noticiário das 20h, por exemplo, serviu durante muito tempo não apenas para informar, mas para orientar a opinião pública, num exercício de pedagogia política nem sempre transparente, servindo inclusive para promover figuras políticas sem nunca se informar que aquela opinião tinha uma agenda política. Os comentaristas, muitas vezes apresentados como «especialistas independentes», não raras vezes tinham e ainda têm filiações partidárias bem conhecidas nos bastidores, ou eram e ainda são colocados ali estrategicamente para sustentar narrativas alinhadas com o poder ou com a oposição.
Neste contexto, o cidadão comum consumia e ainda consome a versão da realidade filtrada, manipulada e embrulhada em linguagem de autoridade e independência. A mentira era e é mais sofisticada, mais difícil de desmontar e, sobretudo, menos visível enquanto mentira, precisamente porque vinha e ainda vem com o selo de credibilidade dos media tradicionais.
O que incomoda é que, com o crescimento e massificação da internet e das redes sociais, a paisagem alterou-se radicalmente. A autoridade tradicional dos media foi corroída e hoje, qualquer utilizador com um telemóvel pode produzir e difundir conteúdos, verdadeiros ou falsos, que alcançam milhões em poucos minutos, tornando as fake news virais, emocionais, simplistas e, com frequência, altamente eficazes.
Mas esta descentralização e massificação trouxe um paradoxo. Se, por um lado, libertou a comunicação do controlo editorial, por outro, abriu espaço para novas formas de manipulação, agora ao serviço de microgrupos, influencers, bots, movimentos extremistas ou até potências estrangeiras, e a ausência de filtros editoriais (bons ou maus) deram lugar a bolhas informativas, algoritmos que premeiam o escândalo e uma cultura de instantaneidade que privilegia o impacto sobre a veracidade.
Apesar das diferenças técnicas e de escala, há um paralelismo claro entre as fake news do passado e as atuais, já que ambas manipulam a perceção da realidade com objetivos de dominação simbólica e política; exploram emoções como o medo, raiva e esperança para catalisar adesão e mobilização; dependem da autoridade do meio (no passado a televisão, hoje a difusão e propagação massificada nas diversas redes sociais) para legitimar-se, produzem consequências reais como influenciar eleições, políticas públicas influenciadas e comunidades divididas.
A diferença fundamental está no grau de consciência que o cidadão tem deste fenómeno e enquanto, no passado, curiosamente poucos questionavam a informação veiculada nos telejornais, hoje, paradoxalmente, a dúvida sistemática alimenta tanto o ceticismo saudável como as teorias da conspiração mais perigosas.
O combate às fake news não se faz apenas com fact-checking, nem com mais regulação das plataformas digitais, exige uma cultura cívica mais exigente, onde a literacia mediática seja uma competência tão valorizada quanto saber ler ou escrever. Também exige responsabilidade editorial nos media tradicionais, que não podem continuar a dar palco, em horário nobre, a comentadores que operam como operacionais de guerra partidária sob disfarce de uma falsa imparcialidade.
Enquanto sociedade, precisamos de voltar a distinguir entre opinião e propaganda, entre jornalismo e entretenimento político, entre liberdade de expressão e manipulação informativa, porque só assim poderemos responder ao desafio que nos é colocado, que é o de viver numa democracia com acesso à verdade ou, pelo menos, com as ferramentas para a procurar ativamente. Pensem nisto.
Carlos Manso é Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas
Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #491 by Daniel Pina - Issuu
Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #491 by Daniel Pina - Issuu
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