Agosto e já estamos, quase, o triplo do que somos habitualmente.
A média anual da população presente na região é, sempre, o dobro daquela que está recenseada (verificado pelos recenseamentos de tráfego/consumo de água/ eletricidade e produção de resíduos) e isso impacta nos serviços, nas infraestruturas, na nossa capacidade de resposta humana às exigências da procura, criando stresse nos equipamentos e nas pessoas dos diferentes setores.
Problema acrescido que se torna mais visível quando se adotam respostas idênticas para situações e dificuldades diferentes por regiões do país, mormente com a manutenção de orçamentos e condições para uma população que suporta um nível de vida mais alto por causa das especificidades dos setores económicos em que nos especializámos, assim como os meios que as entidades oficiais são providas para as respostas que são responsáveis, seja na saúde, na segurança, nos investimentos das autarquias…
O stresse e a insatisfação de todos são evidentes. O nível de tolerância, mesmo para aqueles como eu que defendem a distribuição de recursos de forma solidária por todas as outras no contexto nacional.
Portanto, não defendo o retorno dos mais de 5% oficiais que geramos, mas reivindico uma medida inteligente óbvia – se oferecermos melhor atendimento, serviço e infraestruturas continuaremos a contribuir com mais e, já agora, como até aqui, a crescer acima dos próprios níveis médios do país.
Isso é bom para Portugal, porque precisa e o Algarve merece. O contrário continuará também a ser injusto e medida estúpida de curto prazo.
Haverá um tempo que, como noutros destinos, os residentes se vão revoltar contra aqueles que nos visitam e provocam, sem saber que passaram a ser vistos como os responsáveis nas mais dificuldades em manter o nível de vida, a qualidade de viver a região e o custo de ser algarvio, acrescido das situações de «dumping social» que estamos a assistir devido à carência de mão de obra aos valores das remunerações exigíveis.
Nestes dias vivemos, na área da saúde também, as evidências desta carência. Uma greve que acresce ao período de férias que a organização escolar impõe aos profissionais de saúde, ao mesmo tempo que a procura de necessidade de resposta dos serviços aumenta mais. Noutros setores de abastecimento, que acima referi, os problemas são iguais.
São situações como estas, recorrentes, que motivam a presente posição. Não vejo que a criação de um clima de confrontação, em particular com quem tem de fazer turnos em ambientes extenuantes, se resolva com medidas que atacam os direitos na área da parentalidade, com burocracias que colocam os trabalhadores sem regularização contratual ou dando conta da preferência negocial de uns afastando outros.
Talvez se todos assumirmos que o Algarve é grande, impondo soluções novas, consigamos reunir o apoio ao invés da luta entre nós.
Volto a defender que o Algarve tem especificidades próprias e, portanto, respostas específicas, nas áreas das creches, no alojamento, nos contratos ao abrigo da negociação de Acordo de Empresa, além dos acordos coletivos nacionais.
Muito em breve serão anunciados mais milhões «para as paredes e para novos equipamentos», mas são as pessoas que fazem a diferença no cuidar.
Eu sei por experiência própria o que valemos e o nosso capital humano é capaz. Agora que somos todos Saúde Algarve, com uma ULS, somos maiores, mas somos iguais e úteis para quem atendemos num Centro de Saúde e/ou nos Cuidados Hospitalares, tratando todos sem stresse como se impõe a quem precisa, fazendo valer que o cidadão é mesmo o foco das políticas públicas pela integração de respostas em função das suas necessidades quando vive momentos de dificuldade.
Um dia teremos que ter legitimidade para, sendo eleitos na região, dizer basta de sermos dependentes de quem não sabe ou faz que sabe por causa que valemos mais pelas contribuições do que pelos votos nacionais que representamos.
Sim, falo da regionalização administrativa.
Paulo Neves é um «ilhéu», mas nenhum homem é uma ilha
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Foto: João Neves dos Santos