Sento-me num banco de pedra, frente à escada embutida na falésia. Desci-a há instantes, mas não resisto: subo e volto a descer.
Detenho-me agora a observar a escada rolante, insólita naquele lugar. Atrás de mim, os pescadores puxam o barco para terra e remendam a rede, sob o olhar atento de um homem e de uma mulher descalços que vão a passar, com um cão pela trela. São de pedra, é certo, mas o que importa é que ali estão; afinal de contas, é a Praia dos Pescadores. Dos outros, dos de carne e osso, nem sinal.
Os turistas aguardam ⎼ com a paciência de quem parece dispor de todo o tempo do mundo ⎼ que a máquina os transporte entre o casario da parte alta da vila e o baixio onde se estende o areal. Metálica, reluzente, inorgânica, a escada ergue-se imponente em nome da segurança e das boas acessibilidades. Não queremos que falte nada aos turistas. Degraus talhados na falésia? Fora de questão. O que se exige é conforto e comodidade. E é, de facto, agradável: sem esforço, sem suor, sem cansaço. Mas também sem o menor entusiasmo por se estar prestes a pisar a famosa praia algarvia. Chegam com o ar distraído de quem desembarca de um voo low cost, num destino qualquer que garanta uns dias de descanso. Atenção apenas aos degraus, para não tropeçar. Depois, desde que haja sol, areia e águas mornas para uns mergulhos, pouco importa onde estão. É irrelevante saber em que praia, localidade ou sequer país se instalaram.
No Algarve turístico, viaja-se sem caminhar, sem ver, sem sentir. Neste Algarve reduzido a produto de marca branca, a areia é simplesmente areia, a água é apenas água, o sol é sol, e o calor, claro está, nada mais que calor. Acrescente-se um pequeno-almoço inglês, rios de cerveja gelada, um karaoke com o indispensável Sweet Caroline, e o território despe-se de relevância.
- Ali tem uma ruinha de barzinhos e bugiganguinhas. - comenta, entusiasmada, uma turista brasileira.
Os diminutivos são muitos, mas a frase resume bem o que vejo. Bares atrás de bares, «bugiganguinhas» chinesas com imagens de algares, sardinhas, chaminés, galos de Barcelos e padrões de azulejos estampados. Pouco interessa o que vão ver durante as férias, desde que levem o íman com a ilustração certa. Ficará no frigorífico, ao lado da fotografia tirada na excursão ao Benagil. Não se recordarão do nome, nem de onde fica. Mas perdurará a memória do ronco dos motores das embarcações que enchiam a gruta e do fedor a gasolina.
Há muito que a ânsia de receber cada vez mais turistas, de espremer a região até à última gota, transformou o Algarve num não-lugar, num espaço de passagem, de consumo rápido. A escada rolante de Albufeira - igual a tantas outras, talvez saída de uma fábrica na Alemanha, sem recorte de pedra, sem irregularidades, sem o cheiro a calcário das falésias ⎼ condensa essa imagem de um território reduzido à transitoriedade. Um espaço funcional, concebido para o trânsito fácil, para o consumo imediato, onde não se criam memórias nem laços afetivos.
Começaram por transformar o que era a região dos algarvios no recreio dos visitantes. Chamaram-lhe destino turístico, mas, visto daqui, podia bem ser um supermercado, um aeroporto ou um centro comercial: o cliente entra, consome, parte e esquece.
Indiferente ao local onde se ergue, a escada desliza incansável, prometendo bons momentos no indistinto mar ao fundo.
Sílvia Quinteiro é professora
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