O mundo está um desconcerto e a ideia que vamos assumindo é a de que «os homens são cruéis», «a humanidade está perdida».
São sentimentos legítimos, tanta é a informação que nos chega de todo o lado. Até da comunidade que pensamos conhecer melhor, de repente, um sobressalto que nos surpreende pela maldade próxima, no país, na região.
A ideia que melhor é não ligar e do salve-se quem puder, aprofunda o egoísmo e um espírito de sobrevivência, focado nos nossos problemas que já sobejam só por si e, tantas vezes, nem sabemos como ultrapassar.
Aliás, a ideia de que os nossos problemas são causados por causa da maldade, do mundo que nos rodeia e nos outros, faz-nos desconfiar, afastar e desinteressar da comunidade. Portanto, da responsabilidade de olharmos para fora do que nos aflige. Como que uma desistência.
Isto está difícil.
E, no entanto, de quando em vez e até mais frequente do que nos queremos dar conta, há gestos de preocupação que expressamos ou com os quais somos confrontados, que nos fazem colocar em causa a desconfiança na sua genuína boa vontade. Ainda acreditamos, embora…
Como não acreditar nas centenas de bombeiros que durante horas, dias e noites a fio combatem os fogos, acodem nas inundações e até nos nossos esquecimentos caseiros, ou com animais de estimação.
Toda a estrutura de Proteção Civil que, com sofrimento pessoal, nos protege e evita males maiores sobre pessoas e bens, seja por forças da natureza, seja por acidentes dos mais variados, e ficam expostos aos perigos físicos e psicológicos, além de deixar a família em cuidados ou outras ocupações em segundo plano.
Como não acreditar nos deslocados profissionalmente que ainda assim fazem das «tripas coração» para ensinar, cuidar, apoiar os demais.
Os que em trajetos mais curtos ou mais longos, por baixas remunerações, com turnos, diariamente se continuam a abnegar por prestar serviço de interesse para a comunidade, para contribuir para a sua família, tendo de se manter felizes durante o trabalho e com qualidade na prestação aos outros.
Aqueles que nos servem de forma apaixonada nas cozinhas, nos recebem às mesas, nos esperam nas receções.
Ou quando recebemos, sequer, quem nem conhecemos bem e subsiste a preocupação para que tudo esteja bem.
Sim, «a gente preocupa-se».
Subsiste a generosidade autêntica a par da penosidade.
Mesmo quando é difícil, ficamos mal porque não temos as melhores condições para atender melhor tanta gente.
Somos mesmo gente de sucesso, uma região de sucesso. Porque ainda há bondade sob a capa do cansaço e da vida difícil de cada um.
As dores do crescimento não são acompanhadas pelos cuidados da distribuição dos benefícios do desenvolvimento e isso nota-se.
Depois ligamos ao que se escreve e ao que se diz na comunicação social e acreditamos que «isto está tudo perdido», que ninguém já liga a ninguém. Desligamo-nos.
Mas, no fundo, as pessoas interessam-se.
Só temos de dar oportunidade para que as pessoas possam voltar a fazer a diferença, entre vizinhos, na comunidade de proximidade.
Se não acreditarmos, seremos vencidos pela desesperança e não será melhor do que está. Será ainda pior.
Interessemo-nos. Comecemos por ouvir, com a tolerância de conhecer os outros e os seus pontos de vista, problemas e caminhos que cada um empresta às soluções que importam.
E e eis que o outono começa. Preparemos o que aí vem para que a próxima primavera seja melhor que a deste ano.
Cuidemos da humanidade, a começar por aqui mesmo.
Paulo Neves é um «ilhéu», mas nenhum homem é uma ilha
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Foto: João Neves dos Santos