Sou eu que vou ser seu amigo,
Vou lhe dar abrigo, se você quiser
Quando surgirem seus primeiros raios de mulher
A vida se abrirá num feroz carrossel
E você vai rasgar meu papel.
Vinícius de Moraes

Recomeçamos, a cada ano letivo. Recomeçamos porque, de facto, um professor nunca para. Nunca para de pensar, de estudar, de investigar e de descobrir. De descobrir novas maneiras de ensinar velhas histórias ou novas histórias que apareceram em substituição às outras, já aposentadas. A magia do conhecimento é exatamente esta: descobrir. De repente, abrir os olhos e ver de novo, ver mais, ver o que não se tinha notado da última vez. A cada ano em que contemplo, com os alunos, meus quadros prediletos, descubro uma nuance, um detalhe, encontro uma ligação nova, tenho uma epifania. E dou aulas há 30 anos. Demasiado tempo, talvez, e ainda me sobram uns quantos pela frente. Já fui mais animada em relação ao ensino, às aulas. A minha vontade de entrar na sala, de enfrentar os alunos, vai esmorecendo. São muitos os porquês. Envelheço, isso é um facto, e a distância geracional torna a comunicação professor-aluno mais complicada. Não falamos a mesma língua. Dominamos diferentes idioletos. E não adianta tentar se atualizar, acabamos soando cringe, que é uma palavra adquirida há pouco tempo, mas cujo sentido sentimos na pele. O momento em que deixamos de ser jovens e de exercermos o direito à juventude e nos tornamos adultos, muito adultos e adultíssimos. E percebemos que há coisas, muitas, que já não cabem em nosso vocabulário oral, comportamental e corporal. Não me venham dizer que não envelhecemos, que podemos continuar eternamente jovens. É uma mentira inventada, e sustentada, por uma sociedade que não quer se ver no espelho. Que prefere alimentar o mito da juventude como única forma possível de se existir. Não gosto de envelhecer, mas reconheço que há ganhos. Como professora, distanciei-me mais dos alunos, mas consigo ver melhor, ver mais, tenho muito mais a partilhar. A dúvida, a cada novo ano é: será que há ainda alunos que se interessem em saber? Espero que sim. Como professores, a cada ano, caçamos o brilho nos olhos – de um aluno que seja. Esse brilho vai iluminar todo o ano letivo. E faz com que, apesar dos pesares, que são muitos, valha a pena retornar, valha a pena voltar às aulas.

Mirian Tavares é professora

Crónica publicada em:

Foto: Isa Mestre