Nesta fase de campanha eleitoral e face aos constrangimentos existentes em todo o País ao nível da habitação acessível disponível, os autarcas e candidatos a autarcas despertaram para a dura realidade no terreno. Não há terrenos urbanos ou urbanizáveis disponíveis para fazer face à procura, principalmente por parte das classes baixa e uma grande parte da classe média, dizem eles.

Será que é verdade, que não há terrenos urbanos e urbanizáveis disponíveis nos vários Planos Diretores Municipais (PDM)? Existe alguma relação dos artigos urbanos existentes, respetiva volumetria disponível e identificação dos proprietários, para os vários concelhos da região?

Vamos por partes. Primeiro, o que são Planos Diretores Municipais (PDM)? De forma simplista, os Planos Diretores Municipais (PDM) são, em teoria, um dos mais poderosos instrumentos de desenvolvimento económico ao dispor dos municípios, porque definem os usos do solo, organizam a expansão das cidades, atraem investimento e permitem ao poder público planear infraestruturas em sintonia com a iniciativa privada. Em teoria.

Porém, na prática, a mera reclassificação de terrenos como urbanos ou urbanizáveis não garante que surja mais habitação ou a quantidade esperada no acréscimo de habitação. E, em muitos casos, pode até alimentar a especulação.

A explicação é simples: quem controla a terra controla a oferta. Quando os terrenos urbanos ou urbanizáveis estão concentrados em poucos proprietários, estes detêm um poder de mercado que lhes permite libertar solo de forma faseada, atrasar projetos ou condicionar tipologias, de modo a manter os preços elevados. Ou seja, mesmo que a área urbana seja expandida em papel, não há obrigatoriedade de que tal expansão se traduza em casas construídas.

Acresce que muitos proprietários, vendo no solo uma reserva de valor mais rentável do que o risco da construção ou porque já detêm na sua carteira de ativos uma relação considerável de terrenos urbanos ou urbanizáveis, optam pura e simplesmente por não edificar, como forma de valorizar o seu património a longo prazo.

Este comportamento distorce a lógica do mercado. Em vez de responder à procura real de habitação, cria-se uma escassez artificial que pressiona preços e rendas para cima, tornando as cidades menos acessíveis. O resultado é um paradoxo urbano: o PDM abre espaço para o crescimento, mas esse espaço é muitas vezes capturado por interesses particulares que preferem rentabilizar no tempo a valorização da terra, em detrimento da função social que lhe está atribuída.

As consequências são múltiplas. A especulação com o solo urbano gera desigualdade territorial, acelera processos de gentrificação, aumenta o valor da habitação e obriga famílias a deslocarem-se para as periferias, onde o custo de vida aumenta por via dos transportes e da menor oferta de serviços. Do ponto de vista macroeconómico, cria-se uma ineficiência clara: há infraestruturas públicas prontas a ser usadas, mas lotes estratégicos permanecem vazios. Perde a economia, perde a coesão social e perde o próprio município em receitas fiscais que poderiam ser capturadas.

A solução não passa por desistir dos PDM, mas por dotá-los de mecanismos que assegurem que o planeamento se traduz em oferta real. Isso exige coragem política e instrumentos concretos, como por exemplo, prazos obrigatórios para construir após reclassificação (a atual legislação admite essa hipótese, mas não há evidência que alguma vez tenha sido executada por algum município), penalizações fiscais para terrenos urbanos ou urbanizáveis não edificados, direitos de preferência municipal e, em casos estratégicos, a criação de empresas públicas ou cooperativas de habitação capazes de desenvolver diretamente o solo.

Enquanto persistir a ideia de que basta «abrir solo» para resolver a crise da habitação, poderemos estar apenas a alimentar expectativas ilusórias. O verdadeiro desafio está em garantir que o urbanismo sirva a comunidade e não apenas os balanços patrimoniais de quem detém a terra. A habitação é, antes de tudo, um bem essencial e não pode ficar refém da lógica da escassez controlada.

Em jeito de conclusão, apesar da revisão dos Planos Diretores Municipais poder aumentar a oferta de terrenos disponíveis para habitação, tal pode não ser tão linear se não for acompanhado de medidas que incentivem os proprietários a realmente afetar esses terrenos ao fim desejado, a construção no curto prazo de habitação. E em cidades pequenas, como as do Algarve, esse risco é ainda maior. Pensem nisto.

Carlos Manso é Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas

Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #496 by Daniel Pina - Issuu

Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.