De há quase duas décadas a esta parte, e depois de dezenas de milhar de fogos construídos para aquisição da classe média, o movimento cooperativo habitacional entrou em fase de letargia quanto ao seu objeto essencial.

As razões são diversas e para evitar regressar, aqui, a um diagnóstico dessa situação, prefiro pedir a atenção para os pontos em que me permito apresentar um modelo para se retornar a conseguir a sua reativação e, nos pontos tratados, acabo por, precisamente, tocar na ultrapassagem dos motivos que nos estão a emperrar fazer reviver a participação ativa da população necessitada para as soluções pelo esforço comum. Assim:

1) Pontos base que se manteriam, como essenciais, do antigo modelo: a) a cedência de terrenos públicos, em direito de superfície ou propriedade plena, para as cooperativas constituídas (certificadas pelo Instituto António Sérgio*); b) o estrito cumprimento das áreas máximas admitidas, por tipologia, nos projetos de arquitetura a licenciar, dos fogos a construir e materiais a empregar sem prejuízo do conforto térmico e acústico em vigor.

2) Modelo de financiamento a alterar: ao invés do que antes vinha acontecendo em que havia duas operações bancárias de financiamentos a) para a construção (à cooperativa promotora) e b) para a aquisição ao cooperador-adquirente; agora passaria a unificar-se o financiamento direto unicamente ao cooperador-adquirente, fazendo depender a apreciação positiva da sua capacidade de suportar (pelos rendimentos auferidos) a taxa de esforço mensal com os encargos do crédito a conceder para o preço máximo da habitação admitido da construção adjudicada a empreiteiro, através da sua cooperativa em que é cogestor do programa em promoção, como cooperador.

O que se pretende nesta alteração de modelo de financiamento será, mantendo as condicionantes definidas em 1), reduzir o risco bancário e fazer associar o cooperador adquirente, de acordo com as suas condições de rendimento familiar, ao preço e tipologia da habitação cujo preço máximo (como antes) está fixado, limitando-se assim também as condições das regras de concurso para a construção.

Evidentemente, como antes, se houver alterações no rendimento ou desistência do cooperador, este será substituído por outro já previamente inscrito na cooperativa.

3) Antecipo que o Tesouro, por força da taxa de juro do mercado atual e pelas regras do sistema bancário da UE, não queira reintroduzir as taxas de juro bonificado à construção cooperativa e, mesmo sequer, as taxas de juro bonificado de longo prazo à aquisição de habitação. Nestes casos, duas medidas se imporão – pelo lado da promoção cooperativa manter e aprofundar as regras de isenção de taxas e de impostos à promoção e respetivos excedentes e, do lado dos aquirentes, a mesma isenção, de impostos de selo às operações de crédito à habitação e demais taxas, assim como, determinante, a emissão de contragarantia do Estado às operações de financiamento bancário à construção (que, por ora, não têm nenhum interesse nestas operações considerando as demais oportunidades, no mesmo setor, muito mais rendosas – fundos imobiliários e de investimento). Aliás, as promessas de milhares de fogos para os próximos anos, que milagrosamente têm vindo a público, estarão alicerçadas nestes «novos» operadores e em sistemas de rendimento a longo prazo.

«Não há almoços grátis».

4) Tempo agora para precisar sobre a alteração essencial de unificação do crédito, por via do cooperador adquirente da habitação que permite a garantia hipotecária das frações: a libertação, por autos de medição de obra executada mensal (realizados pela fiscalização da obra da cooperativa com o empreiteiro), emitirá a correspondente nota do crédito à construção-aquisição, já contratado por cada cooperador-adquirente, por via comum da cooperativa e que, portanto, a respetiva evolução da obra é a garantia real do banco pelas libertações do empréstimo concedido. Aqui o desafio é o de fazer, como antes, que os cooperadores (cada um o respetivo direito de voto) regressem à responsabilidade de assumirem a parte da cogestão da cooperativa que é sua, para conseguirem a habitação que necessitam. Ou seja, não há como transigir ou passar culpas ao Estado ou às autarquias, sequer ao sistema bancário, se os próprios não se responsabilizarem pelo programa habitacional em curso que é o seu, além dos órgãos sociais da cooperativa.

5) No mercado de obras públicas atual, em que os concursos para grandes obras cofinanciadas pela UE são enormes e para um prazo curto de realização, considerando a reduzida capacidade instalada de empresas para a construção e que portanto faz disparar os custos de construção por metro quadrado e, portanto, dizimariam todo os esforços e cuidados dos pontos anteriores e, antecipando, o desinteresse das empresas na adesão a estes concursos de preços controlados que ficariam desertos, proponho que o Estado adote duas medidas em simultâneo para fazer incentivar o mercado a privilegiar a construção cooperativa e assim também o seu controlo de preço e a redução do prazo de construção de cada fogo disponível no mercado para o agregado adquirente: a) a isenção de IRC às construtoras pelos proveitos estritos da atividade neste setor, bem como da redução da taxa de IVA nos materiais a empregar nestes programas habitacionais (tal e qual como a medida que as cooperativas promotoras já beneficiavam); b) o incentivo financeiro à adoção de tecnologias e adesão a modelos de construção rápida já certificadas para a habitação por via dos sistemas de inovação à produção e da sustentabilidade disponíveis, tendo como contrapartida preços modulares e antecipação de prazos com emprego de menos materiais a incorporar em estaleiro e de afetação de mão de obra escassa por substituição industrial.

Se este modelo vai ter casos de insucesso? Claro, como aliás o anterior teve e outros de gestão atuais também têm. Continuar como estamos só tem um risco já garantido para os próximos anos – o insucesso total da nossa comunidade como a conhecemos hoje (exceção para os fundos de investimento). É optar por o que queremos para o nosso futuro coletivo enquanto país.

Evidentemente que outras medidas e ações são necessárias, como o mercado de arrendamento e o apoio às famílias ainda mais carenciadas, ou mesmo o lançamento de programas de autoconstrução, mas neste artigo tento contribuir, para já, de sugerir algumas medidas críticas para fazer reviver o mercado cooperativo da habitação.

Paulo Neves é «ilhéu», mas nenhum homem é uma ilha

Crónica publicada em:

Foto: João Neves dos Santos

*opto pelo uso da designação do instituto que me apoiou quando fui dirigente cooperativo e promovemos 350 fogos para famílias jovens no Algarve (1985-1995).