Comecei a escrever estas primeiras linhas no passado dia 15 de setembro, Dia Internacional da Democracia. Uma data que, em teoria, deveria ter sido de festa. Na prática, passou ao lado da maioria das pessoas e soa cada vez mais a sirene de alarme. Celebrar a democracia, hoje, significa defendê-la contra quem a quer desfazer ponto por ponto — e faz isso com a arrogância de quem se sente imune às regras do jogo. É um facto que nós todos andamos fartos das políticas e políticos de sempre e das suas promessas vazias, mas o extremismo nunca foi e nunca será a solução — a história já provou isso, vezes sem conta, com resultados sempre desastrosos.

Por coincidência, ou não, no dia em que o outono tem início, voltei a pegar neste texto após mais um dia de trabalho para recordar com um sorriso daqueles, um sketch brilhante em que John Cleese (Monty Python), satiriza sobre as supostas «vantagens do extremismo», enunciando precisamente alguns dos seus maiores perigos. Uma das melhores explicações que terão a oportunidade de assistir sobre o poder de atração dos extremismos, que não surgiu da boca de qualquer sociólogo, político ou filósofo, mas sim de um humorista. O memorável trecho de pouco mais de dois minutos podia ter sido feito ontem, mas tem já quase 40 anos, vem de um tempo onde não havia sequer internet e soa como um retrato incrivelmente real dos dias que correm, com uma sociedade globalmente ameaçada por extremismos amplificados pelos canais televisivos ou por plataformas digitais, nas quais passamos demasiado tempo.

O extremismo é o atalho perfeito para o bem-estar emocional de algumas almas sensíveis — pouco esforço, muita raiva e um ego sempre ereto. E assim, de repente, lembro-me do Sr. Laranja e do 4.º Pastorinho de Fátima. Façam lá o exercício: imaginem estes dois personagens com uma boa dose de sarcasmo à mistura e verão que há, de facto, algo de prático e até libertador no extremismo. Ele simplifica a vida: oferece inimigos prontos a usar, embalados e com garantia de ódio vitalício. O melhor de tudo? Ter inimigos é fabuloso, porque permite despejar neles toda a maldade do mundo e reservar para si e para a sua tribo a exclusiva patente da bondade. Problema resolvido: todo extremista pode sentir-se herói sem esforço. Se a coisa apertar, basta adicionar «Deus» ao discurso — com a conveniente aura de «menino da lágrima» — e tudo se compõe. Assim, não é preciso encarar contradições, nem admitir dúvidas. Basta apontar o dedo, gritar mais alto e sentir-se moralmente impecável. Convenhamos: é libertador, dá adrenalina… e poupa imenso trabalho.

Então, tal qual uma publicidade numa TV a preto e branco (tipo pasta medicinal Couto): Se você quer se sentir bem, torne-se um extremista! Com tudo o que vamos vendo e ouvindo, chegamos à conclusão que o extremismo é uma espécie de viagra da política. Levanta egos, endurece raivas, dá prazer imediato. Não precisa de esforço intelectual, nem de paciência democrática. Basta escolher o seu inimigo favorito, apontar o dedo e gritar mais alto do que os outros. Em segundos, sentirá aquela onda quente de superioridade moral a percorrer-lhe o corpo. Funciona em qualquer lado: na Assembleia da República, na televisão, no café, nas redes sociais ou até no jantar de amigos ou família.

A escolha é sua! Se quiser pertencer à esquerda radical, já inclui (gratuitamente) a lista de inimigos autorizados: extremistas de direita; quase todos os tipos de autoridade, especialmente a polícia; juízes; empresas multinacionais; Escolas e Hospitais privados; comunicação social; caçadores; traidores do movimento; patrões; moderados, etc.

Se você preferir a extrema direita radical (sem problemas, tudo bem, até alguns dos meus amigos já o fizeram e tentam vender as suas ideias como Jeovás a tentar espalhar a sua palavra batendo às portas das pessoas em horas menos convenientes), você também recebe uma lista adorável de inimigos, só que diferentes: minorias barulhentas ou não… todas; sindicatos; extremistas de esquerda; moderados, mesmo que sejam de direita; comunicação social, comentadores e humoristas que exponham erros, omissões e agendas secretas; trabalhadores; comunistas; grevistas; assistentes sociais, e, claro, todos os que sejam contra as suas ideias.

Efeitos secundários: perda de capacidade de diálogo, alergia a consensos, aumento de ódio no sangue e dependência crónica em aplausos fáceis. Disponível em versão «esquerda radical» e «direita radical». Escolha já a sua embalagem.

Ambos os extremos são hipermercado de ódios onde cada um enche o carrinho ao gosto da sua indignação. A partir desse momento, pode ser tão desagradável quanto queira e ainda sentir-se moralmente justificado. Humilhar, insultar, ameaçar — tudo embrulhado num laço de «missão superior». É reconfortante, dá adrenalina e rende aplausos na TV e nos comícios. Só tem um pequeno defeito: NÃO RESOLVE NADA!

Simplesmente porque resolver problemas é aborrecido, exige paciência, dá trabalho, exige ouvir quem tem opiniões diferentes e às vezes (depois de muito trabalho) fracassar. O que é isso, comparado com a emoção de esmagar um «inimigo»?! Para os extremistas, negociar soluções parece quase uma tortura. Se, por outro lado, alguém ousar dizer em voz alta perante os outros extremistas: “Talvez nos devêssemos sentar, ouvir e tentar resolver isto juntos”, será imediatamente eliminado do roteiro. Porque isso não dá claque. Não dá adrenalina. Afinal, atacar duramente está sempre revestido de glamour e daquela sensação de pertença.

É cómico, não fosse trágico, mas este problema e (muitas vezes) espetáculo tem consequências. O extremismo divide, acende fogueiras, transforma a política numa arena de gladiadores, onde a vitória está em esmagar o adversário e não em melhorar a vida das pessoas. Basta olhar para muitos exemplos ao longo da história da humanidade e perceber como a farsa pode virar tragédia num instante. O ódio nunca se satisfaz com palavras: pede sempre mais. Em todo o Mundo, a violência dos extremistas já deixou muitos cadáveres de um e outro lado. Sinal brutal de até onde pode chegar a espiral sem travão. O que Cleese disse em riso, nós vemos agora em carne e osso. E se a sátira de ontem soa a retrato de hoje, é porque deixámos a mentira ganhar espaço. O extremismo não é uma brincadeira, não é uma opinião. É um projeto político que mina os alicerces da democracia. É um ataque frontal aos direitos humanos.

Júlio Ferreira é um inconformado encartado

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