Pelo segundo ano consecutivo após a proibição do uso do telemóvel em espaço escolar, constatei nas primeiras reuniões intercalares que, com apenas um mês de aulas, as queixas em relação ao comportamento dos alunos são «mais do que muitas». Ao longo da minha já longa carreira docente, habituei-me que este tipo de situações acontecesse apenas no final do ano letivo, devido, em grande parte, ao avolumar do cansaço e natural desgaste resultante de múltiplos fatores. Tendo vindo a refletir sobre o assunto, numa dessas reuniões sugeri que esta panóplia de comportamentos anómalos registados no espaço escolar possa indiciar sintomas de abstinência. Naturalmente, grande parte dos meus colegas não entendeu logo à primeira a pertinência do meu comentário. Respondi-lhes então que quase todos os alunos usaram e abusaram dos seus telemóveis durante o período das férias grandes e, de repente, viram-se privados dos mesmos em grande parte do dia. Ora, como acontece com qualquer dependente em estado de privação, os sintomas não se fizeram esperar!

Felizmente, grande parte das escolas tem vindo a investir na criação de alternativas que venham a dotar o espaço escolar com mais equipamentos e materiais diversificados que possam estimular o convívio e interação entre alunos, mantendo-os assim ocupados e livres do mundo digital e virtual onde habitualmente habitam e navegam. Contudo, o problema que se coloca é que, por falta de conhecimento, de tempo e de prática, grande parte dos alunos não sabe brincar, confundindo determinados comportamentos mais agressivos e violentos com divertimento. É claro que prefiro os gritos, as correrias e as muitas tropelias que, como quando fui aluno, experimentei, do que o silêncio, a passividade e a inatividade a que me habituei a observar nos últimos anos, fruto da anestesia e apatia que o uso continuado, desproporcionado e descontrolado do telemóvel no recinto escolar provocava nos alunos.

Tal como eu, muitos professores e educadores ficam com a sensação de que os atuais jovens não sabem como divertir-se de maneira saudável e construtiva. A falta de orientação, o excesso de tempo em atividades digitais ou a falta de oportunidades para brincar em espaços ao ar livre podem ser algumas das causas. É urgente ensinar a brincar de forma mais saudável, bastando para isso promover jogos e brincadeiras que possam ser realizadas fora de casa, organizar jogos que envolvam o trabalho em equipa e estabelecer limites para o tempo gasto em dispositivos eletrónicos. Brincar deve ser livre, inclusivo, seguro e divertido, respeitando sempre a individualidade de cada jovem. Ao valorizarmos o brincar, contribuímos para o bem-estar dos nossos jovens e para a construção de uma sociedade mais equilibrada e feliz.

A privação do telemóvel entre os jovens pode desencadear sentimentos de ansiedade, inquietação, irritação, frustração, solidão e tristeza. Pode também provocar alterações bruscas de humor, dificuldade de concentração, desconforto físico, comportamentos compulsivos e perturbações do sono. Muitos jovens desenvolvem uma dependência psicológica dos seus dispositivos eletrónicos, manifestando sintomas semelhantes ao que se observa em situações de abstinência. O fenómeno FOMO (Fear of Missing Out – medo de ficar de fora) é particularmente relevante, levando ao receio de perder eventos sociais, notícias ou tendências importantes. A privação prolongada do telemóvel pode agravar sintomas de ansiedade social, sobretudo entre jovens que dependem do ambiente digital para se expressarem ou se sentirem integrados.

Em contrapartida, uma pausa no uso do telemóvel pode contribuir para a melhoria da qualidade do sono, redução do stress e aumento do bem-estar geral, desde que os jovens encontrem alternativas saudáveis de socialização e ocupação dos tempos livres. A privação do telemóvel entre os jovens é um fenómeno multifacetado que pode gerar tanto desafios imediatos como benefícios a longo prazo. O equilíbrio entre o uso saudável da tecnologia e o desenvolvimento de competências sociais e emocionais fora do mundo digital é fundamental para o bem-estar dos jovens na sociedade contemporânea. Estratégias como o estabelecimento de horários para uso do telemóvel, a realização de atividades offline e o fortalecimento das relações sociais presenciais podem ajudar a prevenir o desenvolvimento de dependência e os sintomas associados à sua ausência. Não basta legislar, privando de os usar no espaço escolar quem já nasceu praticamente com equipamentos eletrónicos nas mãos. Temos de criar alternativas e condições para que os tempos-livres dos nossos jovens, na escola, sejam efetivamente livres. Para que tal aconteça, de mãos dadas, as instituições Escola e Família deverão planificar e projetar os intervalos e os «furos» entre aulas de uma forma em que a brincadeira e o convívio fora da sala de aula sejam tão importantes como a instrução dada dentro da mesma.

Paulo Cunha é professor

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Foto: Daniel Santos