Ao cumprir-se o vigésimo sexto aniversário da morte Amália Rodrigues, vasculhei papéis e rascunhos e dei de caras com a folha que na noite de 6 de outubro de 1999 agarrei e comecei a rabiscar, tentando eu próprio prestar intimamente uma pequena homenagem e ao mesmo tempo o meu adeus à grande diva.
Sensações e sentimentos quiçá contraditórios me assaltaram naquele momento, pois, se já naquele tempo não considerava Amália a melhor fadista da sua geração (opinião que ainda hoje mantenho), a verdade é que o seu modo de estar, a magia que de si emanava e que fazia sentir a sua presença onde quer que se encontrasse, eram atributos de alguém especial que, não fazendo nada para que tal acontecesse, conquistava a admiração e curiosidade de quem a rodeava.
Recordo o dia em que, levado por uma amiga comum, a visitei na sua casa no Brejão em pleno Alentejo onde tinha a sua casa de campo, refúgio do reboliço da cidade e onde adorava descansar uns dias entre viagens. Depois de nos apresentarmos e falar um pouco de mim, logo ali enalteceu o trabalho que eu estava desenvolvendo no Algarve com a realização dos concursos de fado amador, pois, se em Lisboa quem se quisesse iniciar cantando havia já naquele tempo as matinées fadistas nos clubes recreativos e outros mais eventos, o que nesta região nem nada que se parecesse existia. Tinha razão, pois hoje mais de 50 por cento dos fadistas que em full ou em part time cantam nesta região nasceram com esses concursos.
Falámos de outras coisas, algumas banais e outras mais profundas, e ali fiquei ainda a admirar mais aquela personagem pela sua disponibilidade para abordar os mais diversos temas, sempre numa atitude humilde emanada de simpatia discreta que deve acompanhar qualquer artista. Recordo de falarmos de Camões como poeta que ela cantava e, a determinada altura, lhe ter questionado o facto de utilizar no fado trejeitos musicais (glissandos e outros) utilizados normalmente na música tradicional, sobretudo das beiras, coisa que parecia incomodar muita gente, e ela responder que a música no seu entender era feita de pontes e não de barreiras, considerando pois uma prática normal, e mais essa coisa de fadista só poder cantar fado, cançonetista só canção, etc, etc, era algo que não entendida. O tempo acabaria por lhe dar razão quando temos nos nossos dias Camané a cantar com Xutos e Pontapés e com Mário Laginha, Sara Correia a cantar com Pedro Abrunhosa, etc.
Confesso que, embora tenha alguns poemas por mim assinados e alguns até registados na Sociedade Portuguesa de Autores, nunca me senti um poeta nem coisa que se pareça e as coisas que escrevo são invariavelmente por impulso.
Este poema a que mais tarde intitulei «De Fado em Fado» fi-lo a pensar na música do Fado Bailado de Alfredo Duarte (Marceneiro) e que até já foi gravado em disco, pode também ser cantado noutros fados tradicionais como Fado Mortalha, Fado Tango, etc.
Para os menos entendidos na matéria, aqui vai uma pequena explicação para as palavras sublinhadas e que fazem referência a títulos de fados (Ex: Tamanquinhas-Fado Tamanquinhas), poetas (Ex: Couto-Vasco de Lima Couto) e frases contidas em letras (Ex: Triste Fado – Com que voz, cantarei meu triste fado) e que no seu conjunto foram por Amália cantados.
Valentim Filipe é músico, professor aposentado e dirigente associativo
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