Numa altura de eleições autárquicas, que dizem ser o nível de gestão política mais próxima das populações e dos seus problemas, verificamos a existência e manutenção de um problema grave e que tem estado ausente dos debates nacionais, regionais e locais.
O elevador social português está avariado e nascer pobre em Portugal continua, em larga medida, a ser uma fatalidade. Vários estudos recentes, desde «Portugal, Balanço Social 2023 – Nota Intercalar» e «To Have and Have Not – How to Bridge the Gap in Opportunities» mostram que o chamado elevador social está praticamente bloqueado, incapaz de oferecer igualdade de oportunidades a quem parte de condições mais desfavorecidas. A transmissão intergeracional da pobreza permanece estável ao longo das décadas, e os fatores que condicionam a mobilidade social repetem-se de forma preocupante.
Entre os determinantes mais relevantes está a educação, dado que os filhos de pais com apenas o ensino básico têm o dobro da probabilidade de viver na pobreza em comparação com os filhos de pais com ensino secundário. Apenas um em cada cinco destes jovens chega ao ensino superior, contrastando com três em cada cinco quando os pais têm, pelo menos, o secundário. A profissão e a situação laboral dos pais também pesam fortemente: crescer num agregado em que o pai estava desempregado ou desempenhava funções não qualificadas aumenta substancialmente o risco de pobreza na idade adulta.
Já ter pais em profissões intermédias ou intelectuais reduz esse risco para valores residuais. O contexto familiar é outro elemento crítico, onde famílias monoparentais ou numerosas enfrentam taxas de pobreza acima dos 20 por cento, enquanto situações de privação material na infância, como a ausência de uma refeição proteica diária ou de material escolar, praticamente duplicam a probabilidade de um adulto ser pobre.
As condições habitacionais também contam, como crescer em casas arrendadas ou em instituições de acolhimento agrava a vulnerabilidade e limita a mobilidade futura e até o local de nascimento e crescimento influencia, já que viver em zonas rurais aumenta o risco de pobreza face a áreas urbanas mais densas.
O retrato atual é claro, a mobilidade social em Portugal não melhorou de forma significativa nas últimas gerações e uma comparação entre indivíduos nascidos nas décadas de 60, 70 e 80 mostra que a probabilidade de transmitir a pobreza aos filhos se mantém estável, sem sinais de rutura estrutural e isto apesar do progresso no acesso ao ensino superior, diz-nos que a condição de origem continua a ser uma característica muito forte do futuro económico, revelando que o esforço individual não é suficiente para compensar as desigualdades de partida.
Perante estes diagnósticos, e existem outros que confirmam as conclusões destes, torna-se urgente repensar as políticas públicas para reativar o elevador social. Infelizmente, este tema saiu da agenda política na última década. A educação deve continuar a ser a alavanca central, com maior investimento na qualidade do ensino em contextos desfavorecidos e com mecanismos que previnam o abandono escolar precoce e perceber onde estamos a falhar nesta matéria.
O apoio à infância e juventude deve ser reforçado, garantindo acesso universal a alimentação saudável, material escolar e atividades extracurriculares, porque a pobreza infantil é a principal via de reprodução da pobreza adulta. A habitação, que agora está na ordem do dia, é outro fator decisivo, precisando de soluções estáveis e acessíveis, através de programas públicos e políticas de arrendamento que garantam dignidade e segurança.
O mercado de trabalho também tem de ser repensado, reduzindo a precariedade, promovendo a requalificação profissional e valorizando salários nos setores de baixa remuneração, porque sem emprego estável e digno, não há inclusão real. Ter em atenção que setores com baixas remunerações, são mais afetados por uma imigração que tenha como objetivo manter esses níveis de remuneração baixos e controlados, dificultando uma remuneração justa.
Finalmente, é essencial apoiar famílias monoparentais e numerosas, cujas condições estruturais as colocam num risco acrescido de pobreza, através de medidas fiscais e sociais que compensem as desigualdades.
Enfrentamos, como País, um paradoxo, porque, apesar de décadas de crescimento económico e de melhorias no nível de vida, o elevador social permanece avariado. A sociedade não pode aceitar que o futuro de uma criança seja determinado pelo contexto em que nasceu, e que a verdadeira medida do desenvolvimento não pode ser apenas o aumento do PIB, mas também a capacidade de garantir que cada geração tem mais oportunidades do que a anterior.
Sem essa ambição, continuaremos a ser um país onde a igualdade de oportunidades é uma promessa por cumprir. Temos de perceber onde estamos a falhar. Pensem nisto.
Carlos Manso é Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas
Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #498 by Daniel Pina - Issuu
Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.
