As eleições autárquicas de outubro de 2025 realizam-se num momento de transição profunda da vida política e social em Portugal. As autarquias, pilar da democracia de proximidade, enfrentam um duplo desafio, responder às exigências crescentes dos cidadãos e resistir à erosão da confiança que ameaça o próprio sentido da representação democrática.


Ser autarca, hoje, é estar no centro da tensão entre a política e a vida real. É gerir o quotidiano, o lixo que não foi recolhido, a estrada que cedeu, o jardim que falta, mas também dar forma a um projeto de futuro. O autarca é simultaneamente gestor, mediador e símbolo. Representa a comunidade, mas também é medido por ela, num tempo em que a política é cada vez mais julgada nas redes sociais, muito antes de ser julgada nas urnas.

O risco maior destas eleições é a crescente personalização do poder local. Em muitos concelhos, o voto deixa de ser uma escolha sobre ideias e passa a ser sobre pessoas, ou pior, sobre simpatias e interesses. A democracia local transforma-se assim num palco de afetos, clientelas e dependências, onde o mérito e a visão se diluem na lógica da popularidade, sendo uma tendência crescente e consolidada que fragiliza a política e empobrece o debate.

Há também uma outra tentação, a da desresponsabilização. Muitos cidadãos olham para a autarquia como uma instância distante ou impotente, esquecendo que o município é a forma mais concreta do Estado e é ali, na câmara e na junta, que a democracia ganha corpo e consequência. Quando a participação cívica se reduz ao voto de quatro em quatro anos, perde-se a vitalidade da comunidade e instala-se o desencanto na política e nos políticos.

As autarquias são o espelho da nossa organização coletiva e mostram como distribuímos poder, recursos e reconhecimento, representando a possibilidade de uma política enraizada, onde o cidadão não é mero espectador, mas parte ativa da construção do bem comum. Por isso, as eleições autárquicas são sempre mais do que uma disputa local: são uma prova de maturidade democrática.

Os próximos autarcas terão de enfrentar realidades complexas, algumas têm estado ausentes nos discursos dos candidatos, como o envelhecimento populacional, a desertificação do interior, a transição energética e como pode alterar a forma como interagimos com a nossa cidade e novos modelos de governação digital, mas também realidades que têm dominado a agenda destas eleições como a crise da habitação e a imigração.

Terão também de recuperar algo mais intangível, o sentido de pertença na sociedade e de confiança no sistema democrático, porque o verdadeiro poder local democrático nasce da palavra cumprida e do serviço à comunidade.

Nestas Autárquicas de 2025, a grande questão não é apenas quem vence as eleições, mas se conseguiremos reforçar a crença de que a política local ainda pode mudar a vida das pessoas e a resposta depende tanto dos candidatos como dos eleitores porque a democracia não se esgota no ato de votar. Começa aí, por isso vote, mas não se fique só por votar, participe. Pensem nisto.

Carlos Manso é Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas

Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #499 by Daniel Pina - Issuu

Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.