As eleições autárquicas de 12 de outubro de 2025 vieram confirmar uma velha verdade da democracia portuguesa: nas autarquias, o voto é mais pessoal e menos partidário. E no Algarve essa evidência revelou-se de forma exemplar, tendo a região demonstrado que a política local obedece a lógicas distintas das legislativas e que os eleitores algarvios são hoje mais exigentes, mais livres e menos previsíveis.


Comparando os resultados de maio com os de outubro, percebemos o desfasamento entre o impulso nacional e a escolha local. Nas legislativas, o distrito de Faro foi um dos palcos do crescimento expressivo do Chega, que conquistou mais de um terço do eleitorado, relegando o PSD e o PS para posições de retração, e muitos não demoraram a concluir que era o prenúncio de uma viragem profunda no mapa político algarvio. Não faltaram insultos gratuitos ofendendo os algarvios da sua escolha democrática.

Contudo, cinco meses depois, nas autárquicas, o cenário nacional fragmentou-se, e em alguns concelhos, o PSD consolidou posições; noutros, o PS resistiu; e, em vários, candidaturas independentes ou movimentos locais venceram contra todos os prognósticos. O eleitor, longe de seguir uma cartilha nacional, votou nas pessoas.

É esse o traço mais marcante da democracia local portuguesa: a personalização do voto em que o cidadão não vota apenas em partidos, vota em rostos, histórias e atitudes. Nas autárquicas, o eleitor conhece o candidato, cruza-se com ele, sente os efeitos concretos das suas decisões no quotidiano. As ruas, a limpeza, o transporte, o turismo e o ordenamento são algumas das matérias que definem o voto, muito mais do que as bandeiras ideológicas ou os discursos inflamados de Lisboa.

Essa realidade deveria servir de aviso aos autarcas agora eleitos. Nenhum deles é dono dos votos que recebeu, porque o voto é emprestado, nunca concedido. É um contrato precário, sujeito a avaliação permanente e onde cada promessa incumprida, cada gesto de arrogância, cada distância criada entre eleito e eleitor, é uma quebra dessa confiança frágil.

Ao contrário das legislativas, onde o ciclo é mais abstrato e o eleitorado mais difuso, nas autárquicas a penalização é direta e implacável, porque quem falha sente-o no terreno, nos cafés, nas praças e nas urnas seguintes.

O Algarve, região que cinco meses antes todos insultavam, não compreendendo – nem querendo compreender – as razões que levaram às suas escolhas nas urnas, mostrou também outra faceta interessante, a coexistência entre o voto de protesto nacional e o voto de confiança local.

Muitos eleitores que em maio escolheram um partido como forma de contestação, em outubro optaram por outro ou até por uma lista independente como forma de resolver problemas concretos. O mesmo cidadão que quis «mudar o sistema» nas legislativas quis «melhorar a sua terra» nas autárquicas.

Isso não é incoerência; é maturidade democrática e é a prova de que o eleitor português é capaz de separar o Estado da Câmara, o Parlamento da Junta, o discurso da ação.

Por isso, as autárquicas são o espaço da proximidade, mas também da verdade política onde é revelado o que as legislativas muitas vezes disfarçam: que o poder não é propriedade, é relação; que os votos não se herdam, conquistam-se; e que a legitimidade democrática só se sustenta se for renovada diariamente, através do serviço público e da escuta ativa.

Os autarcas eleitos em 2025, sobretudo os que chegam pela primeira vez ao poder, devem compreender que este é o tempo da conquista permanente e que não basta vencer eleições, é preciso merecê-las todos os dias. O eleitor não quer chefes, quer servidores; não quer slogans, quer soluções; não quer símbolos, quer resultados.

O Algarve, tantas vezes visto como periferia política, deu nesta eleição uma lição de centralidade democrática. Mostrou que o voto é livre, volátil e exigente; e que a confiança do povo não é um título de posse, mas um mandato com prazo, renovável apenas pelo mérito.

No fundo, é essa a beleza da política local: a lembrança de que o poder é sempre temporário, e que o verdadeiro poder – o único que perdura – é o de continuar digno de ser escolhido. Pensem nisto.

Carlos Manso é Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas

Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #500 by Daniel Pina - Issuu

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