Circular em contramão numa qualquer estrada tem quase sempre o mesmo resultado: a morte trágica para uma das partes envolvidas, por vezes para ambas. É uma realidade pouco frequente, mas ainda assim regular, infelizmente. Trago este fenómeno à conversa para chamar a atenção para o que se está a passar ao nível das leis ambientais e da governação nacional e internacional. Num momento em que deveríamos estar mais do que nunca a gerir e a preservar devidamente o nosso património ambiental e natural, o que vemos é uma sucessão de episódios que nos coloca cada vez mais na faixa errada da estrada, como que em contramão.

Com a justificação de agilizar determinados processos administrativos e/ou burocráticos – exigência imposta por vários grupos de pressão – Bruxelas prepara-se para mexer nas regras ambientais. Notícias recentes vindas de várias organizações europeias de protecção ambiental, incluindo a EEB (European Environmental Bureau – a maior rede de europeia de ONG’s de ambiente, com cerca de 190 membros, de 41 países), alertam para a desregulação em curso, o desinvestimento em determinados programas (incluindo o Programa Life Natureza) e ainda para desfasamentos estratégicos. Mesmo depois de uma consulta pública realizada durante o verão na qual cerca de 200 mil pessoas apelaram, através da campanha «hands off Nature», para o reforço da proteção e da regeneração ambiental e a manutenção da legislação vital de conservação da natureza, a Comissão Europeia prepara-se para desfazer décadas de trabalho em prole da defesa de um lugar comum que a todos interessa. Ou devia interessar.

Curiosamente, seguindo a mesma linha de orientação, por cá fala-se do possível desmembramento do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas ICNF) por outros institutos, sob a mesma justificação de aumentar a eficiência institucional. Nada mais enganador. O que se propõe é sim, sejamos claros, a tentativa de extinguir esse instituto e com isso fragilizar ao máximo o poder público em matérias essenciais de conservação ambiental no nosso país. Estamos conscientes da necessidade urgente em reestruturar o ICNF e melhorar o seu funcionamento, mas o que saiu a público é algo muito diferente. É a tentativa de acabar com esse organismo e a sua nobre missão.

Se a tudo isto juntarmos ainda as mudanças do uso do solo, nomeadamente de agrícola para urbano, de acordo com a nova legislação aprovada no início do ano com o objectivo de resolver os problemas de habitação, o que se avizinha nos próximos tempos não augura nada de sustentável. Aliás, tudo se encaixa numa abordagem de esvaziamento regulatório para facilitar os «ataques» aos valores vitais ecológicos para a nossa sobrevivência.

Como dizia no início, parece que de repente decidimos mudar de faixa de rodagem e percorrer um caminho deveras perigoso. Veremos se não colidimos

João Ministro é engenheiro do ambiente e empresário

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