A Europa quis transformar a água num bem económico, mas a prática revelou-se mais difícil do que a teoria. Apesar de Portugal ser hoje um bom aluno no setor urbano, continua ainda com muito por fazer no setor agrícola e na incorporação dos custos ambientais.

A Diretiva-Quadro da Água (DQA) foi, em 2000, uma das maiores revoluções ambientais e económicas da União Europeia, já que pela primeira vez, a água deixou de ser apenas um bem público para ser tratada como um bem económico, onde quem usa ou polui, passa a ter a obrigação de pagar. O seu artigo 9.º consagra o princípio da recuperação de custos, incluindo os financeiros, os ambientais e os de recurso, mas duas décadas depois, o balanço é misto, a ideia mantém-se sólida, mas a sua execução é desigual.

A DQA foi um avanço civilizacional, introduziu transparência, responsabilidade e rigor na gestão da água e o princípio do poluidor-pagador trouxe justiça intergeracional, prevendo que as gerações atuais financiem a manutenção e renovação das infraestruturas, garantindo a sustentabilidade do recurso a longo prazo.

Em Portugal, a ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos) tem sido um exemplo de regulação moderna, o país dispõe de um modelo tarifário equilibrado, que promove a sustentabilidade financeira das entidades gestoras sem esquecer a proteção dos consumidores vulneráveis e em que o setor urbano recupera cerca de 80 por cento dos custos, um resultado alinhado com as melhores práticas europeias.

O que falhou não foi o princípio, mas a sua execução prática. A DQA partiu do pressuposto de que o preço seria suficiente para alterar comportamentos e reduzir consumos, porém, a realidade mostrou o contrário, a elasticidade da procura de água é muito baixa, i.é., o preço é eficaz para financiar sistemas, mas pouco eficaz para induzir eficiência. A diretiva também peca por excesso de tecnocracia determinando que se incorporem «custos ambientais e de recurso» sem oferecer metodologia para os calcular. Passaram vinte anos e nenhum Estado-Membro o conseguiu fazer. Tentou-se monetizar o que é, por natureza, imensurável, o valor ecológico de um rio limpo, de um aquífero preservado, de um ecossistema funcional.

O resultado é que muitos países, Portugal incluído, optaram por ecotaxas simbólicas, de valor quase nulo, para cumprir formalmente a diretiva sem alterar substancialmente a realidade.

Evoluímos notavelmente no abastecimento urbano com melhor qualidade da água, gestão profissionalizada e tarifas transparentes, mas com um senão, no setor agrícola, a recuperação de custos é ainda insuficiente, muitas vezes abaixo dos 60 por cento. Persistem tarifas fixas, captações privadas sem controlo e fortes subsídios públicos. Apesar dos esforços atuais de retificar estas situações.

Esta distorção compromete o princípio europeu do «utilizador-pagador» e cria assimetria entre usos. O agricultor paga menos por metro cúbico do que o cidadão urbano, embora consuma mais e exerça maior pressão sobre o recurso.

A fragmentação institucional entre APA, ERSAR, ARH, associações de regantes e autarquias dificulta uma gestão integrada e eficiente.

Precisamos de menos teoria e mais pragmatismo e em vez de perseguirmos a utopia de quantificar cada impacto ambiental, o país deve apostar numa governação inteligente:
- generalizar tarifas volumétricas justas e transparentes;
- incentivar tecnologias de poupança e reutilização da água;
- criar mecanismos de compensação ambiental diretos;
- e fomentar mercados e bancos públicos de água, capazes de ajustar oferta e procura com base em critérios de eficiência e sustentabilidade.

O preço da água deve ser suficientemente elevado para promover responsabilidade, mas nunca tão alto que exclua comunidades ou setores estratégicos.

O artigo 9.º da DQA é um dos pilares da política ambiental europeia. Mas a sua eficácia depende menos da ortodoxia económica e mais da inteligência política com que é aplicada e Portugal tem condições para ser uma referência, um país que cumpre os objetivos europeus, mas com soluções adaptadas ao seu contexto climático e social.

A água não é apenas um custo, é um ativo estratégico, um bem vital e o capital natural sobre o qual assenta o futuro económico do país. A melhor forma de a valorizar não é aumentar o preço, mas usar melhor cada gota. Pensem nisto.

Carlos Manso é Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas

Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #502 by Daniel Pina - Issuu

Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.