Roma será para mim a sua voz recitando as elegias de Goethe e Veneza para si o que eu lhe transmiti num fim de tarde, em São Marcos, ao escutar um concerto.
Jorge Luís Borges
Viajar, para mim, é um prazer: conhecer novos lugares, revisitar lugares conhecidos, perder-me em ruas que nunca vi e que, talvez, não volte a encontrar. Perder-me, é o que mais gosto de fazer nas viagens. De um modo geral, tenho viajado, quase sempre a trabalho. Mas sobra sempre um momento qualquer em que consigo enveredar pelos lugares, descobrir novos caminhos. Enveredar é uma palavra bonita – adentrar nas veredas, como alguém que desbrava um lugar. Há lugares que são obrigatórios para mim – museus, por exemplo. E o centro das cidades, o ponto de onde parte todo o resto que cresceu à volta. Há centros mais bem cuidados, outros com ar de abandono. Numa viagem a Macau, perdi-me nas ruas labirínticas do centro não turístico da cidade e deparei-me com uma apresentação de uma ópera chinesa. Pessoas sentadas nos passeios e também pelas ruas, impedindo os carros de seguirem seu curso, num tempo outro, numa pausa desejada, num momento de respiro. Fiquei ali, encantada, e descobri, através de um dos poucos espectadores que falavam inglês, que aquela era uma companhia itinerante e que o palco, montado sobre um pequeno edifício, era de uma associação cultural. Ao lado, havia três templos. Daqueles de uso doméstico, apenas para os crentes, não para olhos estranhos ou para fotografias indiscretas. Pedi licença para entrar e fiquei ali, um bocado, a ver aquele mundo tão diverso do meu. As cidades são o que fazemos delas, possuem uma cartografia própria, mostram-se diferentes aos olhos de cada pessoa. Aos olhos daqueles que ainda veem ou querem ver: pois a maioria já não vê nada, anda com a cabeça enfiada no GPS com medo de se perder e de perder as atrações principais, a foto perfeita. Eu prefiro o imperfeito, os becos, os desvios. Como Borges, acredito que os lugares são também lugares de afetos. De partilhas, reais ou imaginárias, com aqueles que amamos. Assim, para o escritor argentino e para mim, “Paris será você em miúdo, teimoso, fechado num quarto a comer chocolates enquanto lia Hugo, a sua maneira de descobrir Paris; para mim, as nossas lágrimas quando vi no cimo da escadaria do Louvre a Vitória de Samotrácia, esta estátua sobre a qual o meu pai me ensinou a beleza”.
Mirian Tavares é professora
Crónica publicada em:
Foto: Isa Mestre
