No passado dia 12 de Outubro, os portugueses foram chamados às urnas para escolherem os seus autarcas para o próximo quadriénio. Pouco mais de metade dos algarvios foi votar e os resultados, em vez de serem esclarecedores, enevoaram o futuro da gestão autárquica. Em sete concelhos do Algarve os vencedores não conseguiram alcançar a habitual maioria absoluta, que permite governar sem sobressaltos.
No rescaldo da noite eleitoral, muitos festejaram a vitória, com um trago agridoce: «Ganhei as eleições. E agora?!». A apreensão deste «E agora?!» vai muito além do sentido de responsabilidade. Em muitos municípios, seja por falta de maioria na Câmara Municipal, na Assembleia Municipal, ou nas Assembleias de Freguesia, o que está em causa é conseguir governar, aprovar orçamentos, regulamentos, regimentos e posturas; abrir concursos públicos para a realização de obras, contratação de quadros e prestações de serviços; aprovar PDM’s, planos de urbanização ou de pormenor; projetar com segurança o futuro.
Portugal, que, desde o 25 de Abril tem-se a si mesmo como um país democrático, lida mal com as consequências da Democracia. A Democracia é boa, quando permite que o poder seja exercido de forma absoluta, quase ditatorial. Quando obriga a negociações é uma chatice, um entrave ao progresso, um fator de instabilidade. Não é um defeito, mas um temperamento português, que se cimentou ao longo de séculos de absolutismo, a que se seguiu um liberalismo com governos ditatoriais e uma República com quase meio-século de ditadura. Se não fosse a lei de limitação de mandatos, muitos presidentes de Câmara eleitos nas décadas de 1970 e 1980 ainda estariam no poder, porque os portugueses gostam desse garante de estabilidade.
Esse cenário mudou com o aparecimento de um terceiro partido com dimensão suficiente para baralhar os resultados autárquicos e impedir maiorias absolutas, principalmente nos concelhos que elegem mais vereadores. Até hoje era praticamente garantido que uma Câmara eleita conseguiria cumprir o seu mandato de 4 anos. Esse cenário de estabilidade terminou e, seja no Algarve, ou um pouco por todo o país, os portugueses terão de se começar a habituar a terem eleições autárquicas antecipadas, ou intercalares. Não é um drama. É a democracia a funcionar. É um cenário desejável? No meu ponto de vista, não!... Mas é uma possibilidade real, quando três partidos de grandes dimensões não conseguem dialogar, com o receio de que os acordos que possam estabelecer sejam interpretados como uma submissão ao partido dominante; quando os eleitos não podem aceitar cargos de vereação, porque são vistos como interesseiros e vendidos politicamente; quando tiques ditatoriais do passado, próprios das maiorias absolutas, causam animosidade pessoal e social.
«E agora?!»
Quem me conhece há mais tempo, sabe que não me revejo no atual sistema autárquico. No meu livro «Reinventar Portugal», publicado em 2005, avancei com uma proposta de alteração deste modelo, por considerar que não se enquadra na realidade política e social portuguesa. Para mim, não faz sentido que os executivos municipais sejam compostos por vereadores da oposição, que pouco mais fazem do que ir a uma reunião semanal ou quinzenal, para aprovar ou reprovar as largas dezenas de propostas que recebem no dia anterior e não têm sequer tempo útil para analisar. Votam sem conhecimento ou apoio técnico, de acordo com uma mera perspetiva política ou social.
Se a Lei estabelece que um município com mais de 50 mil habitantes elege 9 vereadores é porque considera que esse é o número razoável de eleitos para governar um município dessa dimensão. O que acontece na prática é que, raramente, esses municípios têm em funções mais de 5 vereadores e agora ficam reduzidos a 3 ou 4. Os atrasos nas decisões prolongam-se e o trabalho político tem de ceder face às necessidades administrativas. Ficamos com políticos reduzidos à condição de subscritores de pareceres técnicos, também eles sem tempo para analisarem as propostas que recebem.
O que defendia em 2005 e continuo a defender é que a lista de candidatura mais votada forme o executivo municipal e se reforcem os poderes de fiscalização das Assembleias Municipais. O custo é compensado pela dinâmica e celeridade das decisões e pela melhoria do trabalho político.
Nos últimos tempos começaram a surgir vozes que vão de encontro a esta ideia e fico feliz por isso. Só lamento que essas vozes apareçam mais por sentirem que a governabilidade dos municípios começa a ficar posta em causa com a falta de maiorias no executivo e a redução do número de vereadores e não por uma questão de lógica política democrática.
«Ganhei as eleições. E agora?!»
Agora veremos!...
Nuno Campos Inácio é editor e escritor
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