Saiu ainda não há três meses em língua portuguesa, traduzido por Diogo Paiva. Assim que foi apresentado na Feira do Livro de Frankfurt, em 2023, tinha fechado 16 contratos de tradução; neste momento, está em mais de vinte línguas pelo mundo inteiro. Esgotou no espaço de uma semana a primeira edição na Finlândia. É daqueles casos de sucesso imediato, o que me parece ainda mais gratificante quando se trata de uma autora nascida em 1987 que, depois de ter publicado vários contos, arrisca pela primeira vez o formato longo. Iida Turpeinen disse numa entrevista sobre a origem de Elloliset (A Existência da Vida) que, quando se deu conta de que a vaca-marinha de Steller tinha sido o primeiro animal extinto pelo ser humano, decidiu conhecer a história dessa extinção. O resultado é o relato de uma longa série de peripécias que, no fundo, se geram durante a expedição de Vitus Bering (o homem que deu o nome ao estreito que fica entre a Rússia e os Estados Unidos, entre as águas gélidas do Ártico e do Pacífico) em 1741, que levou a bordo o naturalista alemão Georg Wilhelm Steller, e continuam até aos nossos dias. O arco temporal da narrativa chega até ao presente de cada leitor, e o primeiro capítulo é a descrição de quem, hoje, entra numa das mais surpreendentes salas do Museu de História Natural de Helsínquia e depara com o estranho e desproporcionado esqueleto da vaca-marinha. O nosso pensamento atual faz soar em contínuo a pergunta sobre como foi possível extinguir em menos de três décadas uma espécie descrita pelos exploradores setecentistas como dócil, quase terna. Mas eis uma das qualidades do romance: quando procura o rigor de tempo e espaço (dando coordenadas geográficas e datas recolhidas em documentação histórica), está ao serviço da relativização histórica, como quem lembra, a cada passo, que os instrumentos e a ciência que temos ao dispor divergem muito dos que estavam ao dispor do ser humano há um, dois, três e mais séculos. Mas não só o tempo mudou: todas as circunstâncias epistemológicas se alteraram e Turpeinen sublinha como a raridade de cada mulher ligada à ciência no passado é um trauma de lembrança tão dolorosa como a da extinção de espécies. No caso daquela, o percurso desde o século XVIII tem sido, pelo menos numa parte importante do globo, de avanço, de melhoria: em vários países do mundo onde não tinham voz de decisão na política, na arte, ciência ou na religião, as mulheres podem hoje votar e criar obras de arte – e ser reconhecidas por isso –, e, em grau de maior igualdade do que há uns anos, contribuem para desenvolver o conhecimento científico (o caso das esferas do poder religioso é mais bicudo). No caso da extinção das espécies, o presente é a imagem da catástrofe diária – não, horária... – do inapelável desaparecimento causado pela ação humana.

Ana Isabel Soares é professora

Crónica publicada em:

Foto: Vasco Célio