Já nos tinham criado o estigma sobre os imigrantes, tentaram acrescentar o estigma sobre os trabalhadores grevistas, os outros trabalhadores no direito a trabalhar e os patrões. Agora somos confrontados acerca dos pobres, na sua utilização dos serviços públicos e já estamos a criar o estigma sobre a composição «desequilibrada» do Tribunal Constitucional.

Tudo isto num repente e durante a campanha eleitoral para Presidente da República, para a condicionar.

Entre almoços secretos transformados em acordos e «prendas de Natal», andamos num virote de desconfiança a que se acrescentam promessas que não eram sobre a duplicação de remunerações mínimas e médias, mas como desejos para novo ano.

É o poder e a sua manipulação. E, no final, «é só fumaça», mas que deixa marcas e condicionam a nossa vida em comunidade e a (des)confiança acelerada na política.

Estou mesmo em crer que os próximos três meses vão ser marcados pela recuperação da já usada ideia sobre as «Forças de Bloqueio» (normal, também depois da adaptação do slogan «deixem-me trabalhar»).

Porque o PS, no parlamento, não aceitará substituir-se ao CH como muleta para fazer avançar o que já parou, ou porque o novo PR tem que ser da fação, ou porque o Tribunal Constitucional cumpre, em excesso, o seu trabalho de fazer cumprir a CRP em vigor. Tudo Forças de Bloqueio em mira.

Infelizmente (na minha perspetiva), depois de se comemorarem os 50 anos do 25 de abril de 74, Portugal passou a ter, por vontade popular, uma maioria parlamentar de direita, que é suficiente para fazer, sozinha, a revisão constitucional no ano (2026) em que se comemorará os 50 anos sobre a sua aprovação (1976).

E, para tanto, já não bastava essa maioria de direita, mas agora temos os seus candidatos a Presidente da República que, ou desejam a sua revisão profunda, uns, ou outro, que lhe basta manter no essencial um artigo que não se altere, desinteressando-se de um tema fundamental que não domina de todo.

Preocupa-me tantas possibilidades de desequilíbrio neste barco, que parece adornar excessivamente e de repente, onde estamos todos embarcados.

Estamos a sentir este ambiente social e, no entanto, os sinais da economia, dizem, são melhores que nunca. Não há razões para antecipar uma crise política e há milhões para investir.

Tudo parecia conjugar-se para que se desanuviasse algo que se pretende, afinal, adensar.

Alguns dos responsáveis governativos não estão bem e isso faz-se notar, nas respetivas áreas que tutelam, na sua comunicação e nos factos que se tentam criar para os distrair. É o poder. No entanto, ainda estamos seis meses passados sobre a sua investidura.

Um sinal preocupante, nada expectável porque nem era tema, é o anúncio do impasse, a prolongar, sobre a Regionalização Administrativa.

Pretende-se, já afinal, governamentalizar as nomeações para as CCDRs e, para distrair, anunciar o aumentar de competências para os municípios, aumentando a competição pelas verbas (que o Governo decidirá) e as discrepâncias da qualidade de vida dos cidadãos e das comunidades de vizinhança em função do código postal de residência de cada um.

Sim, o planeamento de recursos e investimentos de nível regional é tema crucial ao desenvolvimento de todos.

Compreendo os argumentos populistas, mas prefiro a racionalidade e a experiência destes 50 anos.

Não é por culpa das regiões administrativas, que não existiram, que persistem problemas de coesão entre regiões e intra regionalmente. Não é por culpa das regiões administrativas, que não existiram, que se afirma o tema da corrupção e das decisões do poder central cada vez mais afirmativo e opaco. Não é por culpa das regiões que há tentativa de dividir mais o que está unido.

Os defensores das regiões administrativas e os atores do poder local não foram nem são forças de bloqueio.

A quem interessa fomentar a divisão (para reinar)? Quem desconfia dos cidadãos?

Há que cumprir-se a Constituição.

Paulo Neves é um «ilhéu», mas nenhum homem é uma ilha

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