Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
Carta de São Paulo aos Coríntios 13:1
É Natal de um ano que passou, para mim, numa velocidade de cruzeiro. Parece que o Natal foi ontem, o filho estava aqui, e passamos juntos, como passamos juntos quase todos os natais. Fala-se que o Natal é um tempo, ou deveria ser, de amor. O que não se fala é sobre o que se entende, atualmente, quando se fala de amor. São Paulo, na Carta aos Coríntios, versículo 13:11, escreve: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino”. Esta não é uma boa tradução, porque é dura, falta-lhe poesia. Mas diz-nos de nós, de quando somos crianças e de quando passamos a ver o mundo com olhos de adulto – talvez o mundo não mude, mas muda a nossa perspectiva. Muda a nossa experiência, aumentam as nossas memórias, diminuem as certezas. Como disse Santo Agostinho, “o tempo, se não me perguntam eu sei”. Eu sei do amor, se não me perguntam. Sei do que sinto, sinto quando sentem, acredito, cegamente, na sua capacidade de nos agarrar pelas mãos, de nos dar colo. Digo “cegamente” porque todo o ato de fé é um ato cego – acreditamos naquilo que não vemos, mas que queremos ver. O amor é qualquer coisa de macio, de acolhedor. O amor é o colo da mãe, mesmo quando a mãe já não está. É o que nos faz sentir confortáveis, acarinhados e protegidos. É o que nos faz sentir em casa. O filho disse que eu era a sua casa. Foi a mais bela declaração de amor que já recebi. Mas estou sempre a recebê-las, das amigas, das pessoas a quem amo e que me amam de volta, através de pequenos gestos, de uma mão que nos afaga, de um sorriso, de um abraço, de uma mensagem a dizer: estou aqui. Porque queremos isso do amor: que ele esteja sempre. Perder um amor é enfrentar-se com o real, é sentir a angústia profunda – um animal feroz que nos come por dentro. Para nossa felicidade, ou sorte, não existe apenas um amor. Há uma infinidade de hipóteses, há uma rede tecida de carinho, há um colo quente no fim do túnel ou no fundo do poço. Não sei se para todos, mas, como é Natal, espero que o amor habite em cada um de nós. Que seja infinito e que perdure, mesmo à distância, mesmo que sair de casa seja uma necessidade, mesmo que o colo seja outro ou vários. O amor, apesar de tudo, e depois de tudo, é aquilo que fica.
“4 O amor é paciente, prestante é o amor: não inveja, não fanfarrona, não se incha de vaidade;
5 não é indecoroso, não procura as coisas que são do interesse dele; não se irrita nem contabiliza o mal que lhe é feito;
6 não se alegra com a injustiça, mas alegra-se pela verdade.
7 Tudo aguenta, tudo confia, tudo espera, tudo suporta”.
1 Coríntios 13:4-7
Crónica publicada em:
Foto: Isa Mestre
