A discussão pública sobre o salário mínimo nacional continua, demasiadas vezes, refém de comparações nominais que nada dizem sobre o verdadeiro progresso económico e social.


Dizer que o salário mínimo nacional “era de X em 1974 e é de Y em 2025” sem qualquer correção monetária é um erro técnico elementar e, se for afirmado por especialistas ou personalidades com responsabilidade, demonstra uma estratégia de distorção da realidade e manipulação da informação. A moeda perde valor ao longo do tempo, e só a correção pela inflação, através do coeficiente de desvalorização da moeda, permite comparações economicamente válidas. Em macroeconomia e em finanças, valores só são comparáveis quando expressos na mesma unidade temporal de poder de compra, isto é, em valores reais.

O coeficiente de desvalorização da moeda resulta da evolução de um determinado índice de preços e mede quantas vezes o nível de preços aumentou entre dois momentos no tempo. Quando aplicamos o conceito ao caso dos consumidores, podemos responder a uma pergunta simples: quanto dinheiro teria um consumidor de ter disponível no momento atual de forma a manter exatamente o poder de compra que teve no passado? Sem este ajustamento, não comparamos rendimentos reais, apenas números que não são comparáveis.

Em Portugal, o salário mínimo de 1974, quando convertido diretamente para euros, corresponde a cerca de 16,5 euros mensais. No entanto, este valor, por si só, não tem significado económico: temos de o colocar a preços de 2025, algo que podemos fazer aplicando o coeficiente de desvalorização da moeda previsto na Portaria n.º 382/2025/1 de 11 de novembro: 41.5. Com base nesta correção, obtém-se um valor real próximo de 685 euros mensais, o que nos dá o ponto de partida correto para qualquer análise séria de comparação de valores monetários entre 1974 e 2025.

Em 2025, o salário mínimo nacional é de 820 euros mensais, pelo que podemos concluir que o salário mínimo nacional real em Portugal aumentou cerca de 135 euros em cerca de 50 anos. Em termos percentuais, isto representa um crescimento real próximo de 20 por cento ao longo deste meio século.

Este resultado é economicamente revelador e socialmente inquietante, já que em cinco décadas marcadas pela integração europeia, pelo crescimento do PIB, pela modernização das infraestruturas e pela transformação tecnológica da economia, o ganho real das classes mais desfavorecidas foi marginal, pelo que, para quem vive do salário mínimo nacional, o progresso económico agregado traduziu-se apenas numa melhoria muito limitada do poder de compra. Isto não é um fenómeno conjuntural, mas sim o retrato de uma estagnação estrutural.

A comparação com Espanha torna este diagnóstico ainda mais claro. Em 1974, o salário mínimo nacional espanhol, convertido para euros, situava-se em torno de 40,6 euros mensais, o que aplicando o coeficiente de desvalorização da moeda espanhola entre 1974 e 2025, estimado em cerca de 17 (www.officialdata.org), o valor real equivalente aproxima-se de 695 euros mensais a preços atuais. Ou seja, em termos de poder de compra, Portugal e Espanha partiam de níveis muito semelhantes no início da década de 1970.

A diferença surge na trajetória posterior, visto que em 2025, o salário mínimo espanhol é de cerca de 1.184 euros mensais. Comparando com valores reais de Portugal na mesma data temporal, o ganho espanhol desde 1974 ultrapassa os 480 euros, enquanto em Portugal não chega a 140 euros.

Espanha não só preservou o poder de compra do salário mínimo nacional, como o reforçou de forma clara e sustentada, ao passo que Portugal se limitou a uma progressão real modesta, insuficiente para alterar de forma significativa a condição económica dos trabalhadores de menores rendimentos. Este contraste não pode ser explicado apenas por diferenças de produtividade pontuais ou por decisões salariais recentes, mas reflete escolhas estruturais distintas, uma maior capacidade de crescimento económico, melhor transmissão do crescimento para os salários mais baixos e uma política de rendimentos que, ao longo do tempo, conseguiu ir além da simples reposição inflacionária.

A análise em valores reais desmonta duas narrativas recorrentes. A primeira é a ideia de que o salário mínimo “aumentou imenso” desde 1974: aumentou nominalmente, mas o ganho real em Portugal foi reduzido e lento. A segunda é a noção de que nunca se viveu tão bem com o salário mínimo. Em termos históricos comparados, essa afirmação é frágil porque o poder de compra atual é apenas ligeiramente superior ao de há 50 anos e claramente inferior ao progresso observado noutros países relativamente comparáveis e com ponto de partida semelhante.

A conclusão é clara: o salário mínimo nacional em Portugal subiu em termos reais desde 1974, mas subiu pouco, tão pouco que, quando observado numa perspetiva de longo prazo, revela uma estagnação financeira e social persistente das classes mais desfavorecidas. Meio século para ganhar pouco mais de uma centena de euros reais não é sinal de convergência nem de progresso social robusto; é o retrato de um modelo económico que cresceu, mas que falhou em transformar crescimento em melhoria significativa das condições de vida de quem vive do trabalho menos qualificado e podemos afirmar que falhou numa distribuição mais justa da riqueza criada nos últimos 50 anos no país.

É hora de construir uma economia e uma sociedade onde o crescimento chegue a quem trabalha ou meio século de estagnação social continuará a repetir-se. Pensem nisto.

Carlos Manso é Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas

Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #508 by Daniel Pina - Issuu

Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.