Vivemos num mundo cada vez mais digital, a expectativa geral era que os programadores dominassem o futuro do emprego. Mas, enquanto todos olhavam para os ecrãs, uma mudança silenciosa começou a redefinir as regras do jogo.

A Inteligência Artificial está a transformar o trabalho intelectual e já é capaz de gerar código de forma autónoma. Em paralelo, assiste‑se a uma nova valorização dos ofícios manuais, que ganham peso precisamente porque não podem ser replicados por algoritmos. O trabalho intelectual mais repetitivo torna‑se cada vez mais padronizado e fácil de substituir, uma dinâmica amplamente descrita na economia contemporânea. A escassez persistente de mão de obra técnica, aliada a uma procura constante por serviços presenciais, aponta para uma inversão da pirâmide de rendimentos. O trabalho que resiste à automação emerge como o novo motor de valorização económica.

Na última edição da Web Summit, um dos temas em destaque foi o impacto da Inteligência Artificial no mercado de trabalho, gerando intensos debates. Na minha opinião, houve um ponto essencial em que praticamente todos concordaram: os trabalhadores terão de desenvolver novas competências, ajustadas a esta nova realidade.

Na minha perspetiva, nos próximos cinco anos, tudo o que envolva trabalho manual tende a tornar‑se significativamente mais valioso do que grande parte do trabalho intelectual. Esta mudança já começa a notar‑se nos Estados Unidos, onde muitas funções intelectuais estão a ser desvalorizadas e profissionais com formação em áreas tecnológicas acabam por recorrer a trabalhos mais precários, como fazer entregas ou a conduzir para plataformas digitais.

Esta não é uma guerra entre canalizadores e programadores, mas um alerta importante sobre aquilo que escolhemos valorizar enquanto sociedade. Se continuarmos a empurrar todos para os mesmos percursos académicos e a desvalorizar quem resolve problemas concretos no mundo físico, algo que acontece com frequência em Portugal, estaremos a alimentar um mercado de trabalho desequilibrado, frustrado e cheio de talento desperdiçado.

Talvez o verdadeiro futuro do emprego passe por devolver aos ofícios manuais o estatuto, a segurança e os bons rendimentos que já tiveram, enquanto muitos empregos de colarinho branco lutam para justificar o seu valor. A questão que deixo é simples: estamos preparados para um mundo em que saber apertar um parafuso pode valer mais do que saber escrever uma linha de código?

Fábio Jesuíno é empresário

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