A poucos dias da anunciada greve geral, mantenho-me expectante sobre que resultados se esperam alcançar de um lado e de outro da contenda – os trabalhadores/sindicatos e o governo/capital-empreendedores…
Muito simplificadamente, a situação parece-me ser esta:
Os trabalhadores não podem aceitar perder direitos alcançados, nem permitir manter salários muito baixos ou aumentar a precariedade nos postos de trabalho.
O governo quer conseguir aumentar a produtividade do trabalho, manter controlada a inflação, potenciar a alteração da estrutura da economia nacional através da captação de investimentos.
Para um cidadão comum, as posições das partes são naturais e, até, desejáveis. Por isso, enquanto partes, se estabeleceram e institucionalizaram formas e momentos negociais para cada uma delas conseguir defender e propor as posições, medidas para se alcançar objetivos mínimos para os envolvidos: trabalhadores/governo/empresários.
Claro que a parte dos empresários precisa dos trabalhadores que, já agora, integram e devem ser parte para o sucesso nas suas empresas e, óbvio, também o governo precisa das empresas fortes e não desejará mal aos trabalhadores que, assim como assim, constituem a maior parte dos cidadãos.
Assim, vistas as coisas – O Governo deveria ser o árbitro dos vários interesses. Também e mormente porque, em Portugal, uma força significativa do mundo do trabalho está na sua dependência.
O Governo, portanto, está no cume das relações do trabalho, ainda como parte diretamente interessada nestas múltiplas formas, sendo que as ações que promove moldam e impactam nas relações no setor privado.
Se o Governo, naquilo que só ele próprio pode determinar, nas alterações legislativas profundas, se tornar, por via da qualidade dessas, o elemento desequilibrador das relações no mundo do trabalho, é porque deseja de facto provocar uma alteração estrutural na comunidade produtiva.
Por princípio, admito a bondade dos objetivos de quem exerce o poder e tem a legitimidade de provocar as alterações que motivem o progresso social, portanto, vantagens para todos – a melhoria económica pois.
No determinar se as alterações legislativas servem quem presta a força e talento no trabalho e ainda quem investe e gere as empresas é crucial no que se negoceia. Por isso há os Sindicatos e as Associações Patronais, «mediados» pelo governo.
Ora, no quadro europeu (BCE/novo Governador Banco de Portugal), propala-se o controlo dos salários e discorre-se que daqui depende o controle da inflação, ao mesmo tempo que se defende o crescimento da economia na zona Euro. O(s) Governo(s) têm que se alinhar por estes objetivos que também interessam a todos em Portugal.
O problema é que, aumentando a precariedade para flexibilizar os sectores produtivos e captar investimentos por via de controlo nos salários baixos, em geral confronta com os interesses dos trabalhadores em Portugal.
Sempre se dirá que captando investimentos diferenciados se melhorará os rendimentos pela alteração da produtividade, consequência dessa alteração da estrutura produtiva. Sim, atingindo-se esses objetivos, mas, se for o caso, à custa do aprofundar das desigualdades sociais que se vão afirmando cada vez mais em Portugal.
Portanto, os trabalhadores vão viver pior. Com maior instabilidade, perdendo direitos e não conseguindo, por força das alterações legislativas, negociar melhores salários (mesmo que baixos).
Isto parece-me resultar elementar no que está em jogo.
O Governo deixou de ser mediador para privilegiar quem emprega e estes passam a ser vistos, mal, como os que entendem os trabalhadores como apenas uma variável de custos fixos das suas empresas. Visão errada que a sociedade vai aceitando. Culpando também as migrações assim aproveitadas e, de quando em vez, exploradas, neste jogo.
Nem acredito que o Governo queira o mal, nem que os empregadores sejam os exploradores. Mas é o que se intui neste extremar de posições e na forma errada como os atores da concertação se posicionaram impositivamente.
O resultado, para já, é esta Greve Geral. E, independentemente da adesão que motivar, o que virá será pior a partir das posições extremadas «ninguém quererá perder a sua razão».
A evolução (in)desejada será, a meu ver, o caminho para a negociação de alterações, à direita do espectro parlamentar, seja na batalha da aprovação de algumas medidas deste pacote laboral, que não passem na concertação social, seja das propostas de Revisão desta CRP que irão desconstitucionalizar direitos dos trabalhadores para permitir, a seguir, uma nova jurisprudência do trabalho que afinal «imponha estas medidas do progresso necessário» anunciado.
Em 2026 comemoram-se os 50 anos da aprovação da Constituição da República Portuguesa, aquela que é apelidada de «esquerdista/socialista». Antevejo que vai ficar pior.
Aliás, na minha perspetiva, a alteração profunda da representatividade parlamentar, à direita e extrema-direita, em Portugal, veio a dar este caminho em que o Governo joga com quem prefere, em cada momento, para fazer levar por diante a razão que deseja.
E não é coisa pouca, como o tempo dirá.
Paulo Neves, «ilhéu», mas nenhum homem é uma ilha
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