Com mais de duas décadas de carreira, João Pedro Pais
regressou, em 2019, com um novo álbum, o 11.º da sua discografia, o fantástico
«Confidências (de um homem vulgar)», que espelha na perfeição a essência deste
lisboeta que sempre se assumiu como um homem perfeitamente igual a tantos
outros, com a diferença que escreve umas músicas e depois as canta para outras
pessoas. E, no domingo, 26 de janeiro, perante um Auditório Carlos do Carmo, em
Lagoa, completamente esgotado, como já tinha acontecido na noite anterior, João
Pedro Pais afirmou isso mesmo num dos vários diálogos sinceros e honestos que
teve com a plateia. “Eu não pertenço a associações ou não dou a cara por
campanhas porque acho que não sirvo de referência para ninguém. Sou uma pessoa
completamente normal, também cometo erros como toda a gente, fiz o meu caminho
o melhor que soube fazer”.
Por nunca querer ser uma vedeta, João Pedro Pais não é, de
facto, uma popstar, um daqueles nomes que, se perguntarmos a alguém para nos
dizer, assim de repente, 10 músicos portugueses famosos, esteja na ponta da
língua da generalidade das pessoas. O certo é que, quando decide sair do seu
cantinho, fá-lo sempre com discos incríveis, com canções de mensagens fortes,
umas de pop, outras de rock mais forte, e que, conforme se confirmou nos espetáculos
de Lagoa, o público sabe de cor e salteado, de trás para a frente. E esses
momentos são mesmo arrepiantes. Quando vemos uma plateia a cantar em uníssono,
no tom, afinada, quase não deixando ouvir o próprio artista, tal a energia que
colocam nas suas palavras. É incrível. Os pelos dos braços levantam-se todos.
Somos percorridos por um sentimento de pertença a uma massa coletiva que não é
frequente acontecer. E João Pedro Pais não se cansou se gabar a qualidade vocal
dos algarvios.
Já quarentão, João Pedro Pais continua a parecer um puto
reguila a quem meteram uma guitarra na mão e lhe disseram para ir para cima do
palco. Irradia satisfação, os olhos brilhos, canta, toca viola e piano, anda de
um lado para o outro, interage com o público e com a extraordinária banda que o
acompanha na estrada. Não se preocupa em pentear o cabelo, em dissimular as
rugas que já vai tendo, em vestir-se com pompa e circunstância. Leva
simplesmente o alinhamento preparado e vá de tocar. E tal é a paixão e a
alegria com que João Pedro Pais está em palco que muitas vezes reparamos no
sorriso que os restantes elementos da banda têm no rosto ao olharem para este
«monstro» que têm pela frente.
E quando o público responde de forma apaixonada ao que escuta,
a informalidade é total. Porque é destes espaços mais pequenos e íntimos que
João Pedro Pais mais gosta, de auditórios em que consegue olhar as pessoas nos
olhos, falar com elas abertamente, contar coisas que lhe aconteceram, na semana
passada ou há muitos anos. E assim os lagoenses e algarvios ficaram a conhecer
o Sargento Faneca dos tempos do serviço militar obrigatório e que não gostava
de músicos. Ou dos problemas que teve para dizer ao microfone Massachusetts,
estado norte-americano onde foi receber um prémio há uns anos. Ou a sensação
que foi ter o açoriano Nuno Bettencourt, um dos maiores guitarristas do mundo,
a tocar em palco a seu lado. Mas também lembrou o episódio do enfermeiro
brasileiro que pagou seis mil euros por uma polaroid que Madonna tirou no
recente concerto que deu em Lisboa. E confessou o muito que chorou na semana
transata quando morreu a sua cadela.
Perante tanta partilha pessoal, é normal que o público se
renda aos pés de João Pedro Pais, um daqueles génios que, felizmente, temos o
privilégio de conhecer em vida, de estar e falar com ele, num concerto que
ultrapassou a barreira das duas horas. Porque, conforme referiu o cantor e
compositor, na noite anterior tinha tocado duas horas e parecia mal tocar menos
tempo para as pessoas que voltaram a encher o Auditório Carlos do Carmo na
tarde de domingo. Pessoas que, curiosamente, demonstram bem a força da música
de João Pedro Pais, porque ali estavam verdadeiras famílias, crianças,
adolescentes, homens e mulheres adultos, idosos. E mais fantástico ainda foi
verificar que, mesmo que João Pedro Pais tenha trazido os principais sucessos
dos seus 23 anos de carreira com uma nova roupagem – e muito boa, diga-se de
passagem – as pessoas rapidamente reconheciam os temas, respondiam com aplausos,
cantavam os refrões.
Pelo meio dos êxitos de outros discos, João Pedro Pais
interpretou, claro, músicas de «Confidências (de um homem vulgar)», um disco
repleto de canções extraordinárias que certamente ficarão para a história, como
«A Minha Estrada», «Santo Domingo», «Fazes-me Falta», «Tudo o Que Procuro» ou
«Delicado». E, para não variar, a assistência já sabia as letras de cor, para
surpresa deste lisboeta que, no final do século passado, saltou para a ribalta
no programa «Ídolos» da SIC ao interpretar o «Solta os Prisioneiros» dos
Delfins e que, para muita, mas mesmo muita satisfação dos portugueses,
construiu uma carreira sólida, à sua maneira, sem atalhos, sem populismos ou
falsidades, e que nos continua a brindar com canções maravilhosas. Obrigado João!
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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