Começo por fazer um «spoiler alert». Este artigo de opinião vai ter de tudo um pouco, sarcasmo, ironia, verdades, desilusões e, espero eu, alguma esperança.
O nosso País tem uma relação com as reformas estruturais semelhante à relação que muitos de nós temos com o ginásio: sabemos que precisamos, até pagamos a mensalidade, mas raramente aparecemos. Pelos menos até termos alguma doença que nos obrigue a fazer exercício físico. Portugal, mesmo com a presença da odiada TROIKA também não fez grandes reformas, porque não podemos chamar as privatizações de reformas estruturais e nem a alteração da Lei Eleitoral fomos capazes de fazer, continuando a dizer a mais de um milhão de eleitores que o seu voto é inútil e que essa situação não nos incomoda.
Durante os últimos 40 anos, os diagnósticos sobre as necessidades do país tornaram-se um subgénero literário. Não há conferência, relatório do Conselho Económico e Social, plano da OCDE, ou discurso do Presidente da República que não invoque a santíssima Trindade da modernização nacional: Educação, Justiça e Administração Pública. Tudo muito consensual. O problema é que o consenso em Portugal é, muitas vezes, o prelúdio da passividade e essa passividade a longo prazo vai agravar as carências existentes em setores que até funcionavam razoavelmente bem, como a Defesa e a Segurança Pública.
Tivemos reformas em papel couché, outras em powerpoints com animações, e algumas até foram à televisão. Mas mudar, mudar mesmo, só o discurso. Permitam-me que exagere, afirmando que as reformas estruturais em Portugal são como o monstro do Lago Ness, todos falam nelas, mas nunca ninguém as viu. E mesmo quando dizemos com um toque vintage: “é preciso reformar o Estado”, dizemos, com a solenidade de quem já desistiu.
A justiça continua a ter prazos que desafiam a vida útil dos processos e a paciência dos cidadãos. O sistema fiscal, com a sua complexidade exagerada, continua a funcionar como um labirinto onde os Minotauros são as taxas e coimas, onde já nem os contabilistas se sentem confiantes. A administração pública, com exceções honrosas, continua mais apta a produzir carimbos do que soluções, apesar de ainda estar dotada de quadros especializados com conhecimento técnico que não deve ser desprezado. Na educação, discutem-se metas curriculares enquanto milhares de alunos continuam sem professores a meio do ano letivo.
Curiosamente, todos os partidos reconhecem a necessidade de reformas estruturais. Até as colocam nos programas eleitorais, entre a aposta na cultura e o apoio às energias renováveis. Mas logo que chegam ao poder, descobrem que reformar implica enfrentar interesses, desmontar privilégios e correr o risco de ser impopular. Ora, como todos sabemos, em Portugal o risco é um conceito exótico — especialmente para quem vive do voto.
Reformar é, afinal, subversivo. É dizer a um conjunto de corporações que o mundo mudou, que não basta gerir o declínio ou protelar decisões. É olhar o país com a honestidade de quem sabe que a sustentabilidade do modelo económico, ambiental e social depende de escolhas difíceis, cada vez mais difíceis. Mas, por aqui, preferimos a arte do remendo à da reconstrução. Mudam-se os nomes, criam-se comissões, lançam-se agendas, planos estratégicos e promessas plurianuais que nunca coincidem com os ciclos eleitorais. Porque a verdadeira reforma, essa, é sempre adiada para depois das próximas eleições — que é como quem diz, para nunca.
O resultado está à vista: um país que avança em círculos, onde o crescimento económico é anémico, a produtividade estagnada e a confiança nas instituições, essa sim, em queda livre. Mas atenção, não nos acusem de inação: reformar, reformamos. O IVA da restauração já mudou mais vezes do que os manuais escolares. E, em matéria de reorganizações ministeriais, somos campeões europeus. Sem nunca medir o seu impacto, porque isso colocaria à vista de todos a irrelevância dessas decisões.
Portugal é, assim, o país das reformas anunciadas e das mudanças proteladas. Um país onde todos sabemos o que deve ser feito, mas ninguém quer ser o primeiro a fazê-lo. E se tivermos poder ou influência para decidir, que a reforma seja feita primeiro no quintal do vizinho. Porque reformar dói, e nós preferimos analgésicos institucionais: fundos europeus, moratórias, bazucas. Tudo serve para adiar a conversa séria. Até quando?
Quem sabe, talvez um dia surja a tão aguardada «reforma das reformas»: aquela que nos ensina a fazer o que é preciso, sem pedir licença aos ciclos políticos, sem medo dos lobbies e sem esperar por mais um relatório de uma qualquer TROIKA. Mas até lá, sigamos com o nosso talento único para a procrastinação estratégica.
Já dizia Maquiavel, “não há nada mais difícil ou perigoso, do que tomar a frente na introdução de uma mudança”. Pensem nisto.
Carlos Manso é Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas
Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #483 by Daniel Pina - Issuu
Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.
Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.